Cuiabá amanhecia e já ouvíamos o bimbalhar dos sinos da vetusta Catedral, morávamos próximo à Praça Alencastro, no centro da cidade.

Naquela época estudávamos na Escola Modelo Barão de Melgaço, conceituado estabelecimento de ensino público que motivava muito orgulho graças à competência e dedicação dos professores e consequentemente à qualidade do ensino.

Na Cuiabá de outrora, pelas dificuldades de transporte, durante muito tempo ficou isolada, praticamente sem estrada ligando aos grandes centros industrializados, muitos produtos não chegavam ao comércio e consequentemente ao consumo.

Leia Também:
Agradável ambiência lusitana’’

– “Tardio alesta”

– Mensagem a Cuiabá

– Linda flor lusitana

Naquele período, os caixeiros viajantes representavam o grande elo entre o comerciante e a indústria e, por isso, tudo demorava muito a chegar por estas bandas, agravando mais ainda a situação e quando chegava o preço do produto era por demais elevado, tudo advindo de outras regiões, a exemplo do morango, da uva, produtos perecíveis, sendo esses ainda mais difíceis de chegar ao comércio local.

O salaminho, por exemplo, era um produto bastante raro, quando chegava a nossa mesa fazia muito sucesso e todos da família disputavam acirradamente suas fatias.

Na Escola Modelo chegou a deixar-nos até entristecidos com um colega que desfrutávamos de boa amizade, pois no período do recreio, após a estridente sineta, reuníamos para o lanche costumeiro na área interna do colégio e nesse momento surgia a funcionária da
casa de comércio, que pertencia ao pai daquele colega, com uma bandeja com um copo de suco de laranja e um sanduíche gigante e recheado de queijo e salaminho a perpassar as bordas atraindo e despertando o apetite descomunal de todos. Não titubeamos e sem pestanejar com outros colegas aproximamos daquele sortudo glutão colega para pedir um pedaço que seja, um pedacinho
daquele salame de fazer lamber os beiços.

O colega ao perceber o assédio e a cobiça insistente ao seu sanduíche negava de início com certa grosseria, o que nos causava tristeza.
Mas, mesmo assim, ninguém desistia e relegando ao desprezo a merenda que traziam de casa continuavam terminantemente a insistir na tentativa de obter um pedaço daquele sedutor sanduíche. Muitas vezes o depreendido colega, em gestos de extrema bondade, dava alguma esperança a todos dizendo que se sobrasse algum pedaço do imenso sanduíche repartiria aos demais.

Diante daquelas palavras, ficávamos tomados por grande felicidade, afinal, pelo menos um pedacinho do sanduíche com aquele delirante
salaminho conseguiríamos saborear, caso sobrasse.

Infelizmente, logo de imediato, aquela esperança se diluía no ar, ficando tão somente aquele “generoso e solidário” colega a desfrutar do sanduíche e, em especial, dos salaminhos, enquanto nós enchíamos a boca d’água, quando então, quase colocando tudo para fora extasiado de tanto comer, num gesto de bondade que tanto sensibilizava entregava-nos um pedacinho de presente disputado por todos ferrenhamente e que rapidamente desaparecia, temerosos de uma repentina mudança de atitude daquele dispendioso amigo. Sendo assim, agradecemos a extrema bondade dizendo em voz uníssona e com veemência “você é um dos nossos grandes amigos”.

Naquele agradecimento pela sobra do sanduíche já embutíamos a esperança de amolecer ainda mais o coração do magnânimo colega. Na verdade, muitos desistiam no curso daquela luta por um pedaço do sanduíche e das fatias do salaminho. Sonhávamos com o dia seguinte para que pudéssemos deliciar ao menos um pedacinho daquele apetitoso sanduíche.

Passado alguns anos, tivemos a oportunidade de apreciar exageradamente aquele cobiçado salaminho fazendo com que não mais o apreciássemos tanto quanto antes.

Hoje relembramos com saudade daquele tempo da mocidade na Escola Modelo Barão de Melgaço, dos colegas e, em especial, daquele bom coração e dos momentos do recreio quando ficávamos insistentemente a querer que um pedacinho daquele maravilhoso sanduíche de inebriantes fatias de salaminho, como gostaria que tudo voltasse ao passado, naquele tempo gostoso de viver, simplicidade, sem os requintados produtos de gastronomia que facilmente temos hoje na mesa, na paz, alimentos básicos como a mandioca, a abóbora, a goiabada, o caju, a manga, a coroa de frade, a pitomba que havia nos frondosos quintais Cuiabanos, tudo sem agrotóxico, sem fazer mal algum, alem do frango criado à solta, o boi nas largas pastagens naturais, bem como, o peixe deslizando nas antigas águas límpidas do Rio Cuiabá e seus afluentes.

*TEOCLES MACIEL é  advogado, professor, escritor, compositor, ex-prefeito de Barão de Melgaço e ex-deputado estadual  Constituinte de Mato Grosso.

CONTATO:                                                   www.facebook.com/profile.php?id=100089698066590