Quase 16 anos depois, Abel Braga volta a surpreender no Morumbi. Se em 2006 foi na final da Libertadores, agora aconteceu no jogo com cara de “final” antecipada do Brasileirão que o Inter não apenas venceu, como convenceu: um atropelo por 5 a 1 que garante o coloca na liderança do Campeonato Brasileiro. A análise é do jornalista especializado em desempenho, Leonardo Miranda.
Dentro de campo, olhando para o jogo, o massacre foi construído a partir de dois mecanismos táticos: uma pressão alta bem na saída de bola do São Paulo e as investidas no movimento “em diagonal” de Yuri Alberto, autor de três gols no Morumbi.
Pressão alta: imposição física e atenção aos meias do São Paulo
O primeiro artifício é a marcação alta. Você já viu bastante isso no futebol brasileiro, inclusive no jogo que marca a queda do São Paulo: o 4 a 2 do Bragantino.
Lá, o técnico Maurício Barbieri investiu nessa pressão, algo que o Internacional voltou a realizar. Yuri Alberto, Caio Vidal e Patrick se posicionavam praticamente na grande área. A ideia era criar igualdade com Volpi e os dois meias que realizam a saída de bola do São Paulo, um padrão que existe desde o ano passado.
Pressão alta do Inter: cinco jogadores vigiando a saída de bola — Foto: Reprodução/TV Globo
Edenílson e Praxedes, os dois meias centrais do 4-1-4-1 de Abel, também avançavam. Ok, todo mundo posicionado! Agora é hora de se movimentar em campo. A pressão alta do Internacional teve como principal referência a bola. Um dos três jogadores na área tinha que se deslocar e cercar quem estivesse com a bola. Caio Vidal era quem executava mais esse movimento, em especial quando Luan se posicionava no lado esquerdo, como na imagem:
Caio Vidal sai da ponta e pressiona a bola: São Paulo não teve respiro nos minutos iniciais — Foto: Reprodução/TV Globo
Os vinte minutos iniciais foram de intenso sufoco do Inter. Mas nem sempre a pressão alta funcionava. Olha como são as coisas: o próprio São Paulo vem buscando soluções táticas para que essa saída funcione melhor, e uma das variações é uma liberdade maior de movimentação a Gabriel Sara.
Gabriel Sara procura o espaço na direita e surpreende o Inter. Como reagir? — Foto: Reprodução/TV Globo
Só que em vários momentos o São Paulo escapava. Fazia o que Diniz chama de “quebrar a primeira linha”. Abel sabia disso e tinha também um artifício para conter que Luciano e Brenner tivessem espaço: uma linha de defesa mais baixa, mas com um zagueiro sempre caçando quem estivesse mais recuado.
Foi um jogo de muita imposição física. Patrick, Edenílson, Lucas, Moisés… Todo mundo ganhando dividida, segunda bola e duelo individual.
Linha de defesa jogou num bloco mais baixo, mas Lucas saía bastante para caçar no meio — Foto: Reprodução/TV Globo
O São Paulo não respirou nos 15 minutos iniciais. O lance de bola parada que originou o primeiro gol foi fruto de uma pressão alta. Com a vantagem no placar, o Inter recuou, fechou o campo e diminuiu espaço. Só a partir dos 30 minutos que o São Paulo retomou o controle.
Diagonais: mobilidade e timing de Yuri Alberto fecham o placar
O que acontece quando uma equipe recua? Certamente o torcedor se irrita, mas pense um pouco: se o Internacional tem jogadores de imposição e resistência, como Edenílson e Patrick, que são dois grandes infiltradores, e possui um centroavante móvel, capaz de realizar movimentos de diagonal, com muito espaço, a solução em campo que melhor potencializa a qualidade deles é justamente recuar para abrir espaço no campo do adversário.
Foi o que o Internacional fez. Lembra do lance em que Patrick combina com Yuri Alberto, que quase faz o segundo? Aconteceu no terceiro, no quarto e no quinto.
Psicologicamente abalado, o São Paulo teve de tocar a bola. Missão que o Inter dificultava o tempo todo, com a “maldade” de fazer Luan e Tchê Tchê avançarem cada vez mais. Abrir mais espaço entre a defesa e o gol.
E deixar Yuri ainda mais confortável para fazer o mesmíssimo movimento de dois gols: uma corrida num espaço vazio, nas costas do zagueiro, indicando que ele deve receber um passe forte na frente. Nada de bola no pé: toque por baixo ou lançamento no espaço, para ele correr antes de todo mundo. Foi como o Inter fechou o placar numa goleada já histórica.
Yuri Alberto correu nas costas do zagueiro. Indicava que ele poderia receber um passe forte e vertical. — Foto: Reprodução/TV Globo
Nada acontece por acaso:
- A queda de desempenho do São Paulo pode estar relacionada à troca de gestão entre Leco e Cazares. O novo presidente promoveu mudanças significativas no departamento de futebol, sendo a maior delas a saída de Alexandre Pássaro, hoje no Vasco. Uma mudança no modo de fazer as coisas sempre gera desconfiança e erro.
- Já o crescimento do Internacional é fruto também do ótimo trabalho de Abel Braga. Depois do choque inicial, o treinador impôs seu modelo mais reativo, de imposição física e saídas rápidas. Yuri Alberto e Patrick cresceram de rendimento. Rodrigo Dourado vem jogando bem após a lesão. Méritos do técnico, que é dever de todo mundo que respeita o jogo reconhecer.
E o Campeonato Brasileiro abraça um novo líder. (Leonardo Miranda/Globo Esporte)