A abolição da escravatura no Brasil foi resultado de um processo longo, lento e concluído por meio de muita mobilização popular. Diferentemente do que os defensores da monarquia afirmavam, a abolição da escravatura não aconteceu por uma decisão de bondade da princesa Isabel de Orleans e Bragança, mas foi resultado de uma intensa mobilização popular que pressionou a monarquia brasileira a abolir o trabalho escravo no Brasil, em 13 de maio de 1888.
A abolição da escravatura no Brasil, pela Lei Áurea (Lei Imperial de número 3.353), pode ser explicada por uma junção de fatores, destacando-se:
- luta abolicionista realizada pelos próprios escravos;
- mobilização de grupos abolicionistas que davam apoio aos escravos;
- mobilização política de determinada ala da sociedade brasileira.
Outros fatores também podem ser apontados em relação a esse assunto, como a pressão internacional para que o Brasil abolisse essa forma de exploração do trabalho, uma vez que a escravidão já era vista como um atraso para o padrão civilizacional que se consolidava na segunda metade do século XIX e também pelo fato de a escravidão ser um entrave para o desenvolvimento do capitalismo aqui no Brasil.
Contexto histórico
A abolição da escravatura no Brasil era um assunto que estava no centro de nossa pauta política desde que a independência do país foi conquistada em 1822. A elite econômica e política do nosso país sabia que o reconhecimento internacional da nossa independência, sobretudo no que se refere ao reconhecimento inglês, passava pela abolição do trabalho escravo.
A postura do nosso país, no entanto, foi a de postergar qualquer compromisso assumido, seja com o fim do tráfico negreiro, seja com a abolição da escravatura. Em razão do perfil e dos interesses da elite econômica do nosso país, o trabalho escravo, ao invés de ser combatido, foi reforçado.
O tráfico negreiro, por exemplo, manteve-se bastante ativo em nosso país até 1850. Seu fim só aconteceu de fato, por meio da Lei Eusébio de Queirós, em razão das pressões inglesas e do risco de guerra com a Inglaterra.
O desejo das elites escravocratas do Brasil era de que o fim do trabalho escravo fosse lento e gradual e só acontecesse quando o último escravo morresse. Foi levando essa ideia em consideração que a escravidão permaneceu legal em nosso país por mais de 38 anos após a proibição do tráfico negreiro.
O debate abolicionista no Brasil só ganhou mais força a partir da década de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai. Já no começo dessa década, registrou-se o surgimento de novas associações abolicionistas. Em virtude da atuação dessas entidades, os grupos interessados na manutenção da escravidão intervieram e optaram por soluções graduais.
Isso resultou na aprovação da Lei do Ventre Livre, aprovada em setembro de 1871 e que tinha como objetivo principal controlar a causa abolicionista. A lei funcionava da seguinte maneira: a partir daquela data, todos os filhos de escravos seriam considerados livres, mas seriam obrigados a trabalhar por um tempo como compensação. A lei estipulava que o filho do ventre da escrava seria livre:
- aos 8 anos (nesse caso, o dono da escrava receberia uma indenização de 600 mil réis);
- aos 21 anos (nesse caso, da escrava não receberia nenhuma indenização).
A Lei do Ventre do Livre, na ótica dos escravocratas, conseguiu alcançar seu objetivo principal: fazer o movimento abolicionista, temporariamente, perder força. O movimento só se recuperou na década de 1880, e a mobilização de parte da sociedade e dos próprios escravos foi fundamental para que a causa tivesse sucesso.
O crescimento da causa abolicionista na década de 1880 é claramente perceptível pelo crescimento do número de associações que atuavam pela causa. As historiadoras Lilia Schwarcz e Heloísa Starling destacam a atuação da Sociedade Brasileira contra a Escravidão e a Confederação Abolicionista|1|.
Além disso, o número de publicações que faziam a defesa da causa abolicionista disparou, e pessoas influentes, como Castro Alves e Joaquim Nabuco, associaram-se à causa. Outros nomes de destaque na defesa do abolicionismo nessa década foram Luís Gama, José do Patrocínio, André Rebouças, entre outros.
Nesse contexto, em defesa da abolição, a publicação de artigos e panfletos e a realização de atos públicos, como procissões e outros tipos de manifestações, tornaram-se comuns. A década de 1880, porém, viu um tipo de manifestação que foi fundamental para que a campanha tivesse sucesso: a desobediência civil.
O grande destaque nesse momento foi a própria luta dos escravos, uma vez que fugas e rebeliões tornaram-se comuns no período e demonstraram que a situação estava fora do controle das entidades governamentais. Lilia Schwarcz e Heloísa Starling destacam que, “conscientes de que a escravidão perdia a legitimidade e o consenso, grupos de escravos ganhavam em ousadia e articulação, revoltando-se fugindo, cometendo crimes, clamando por melhorias em suas condições de vida e por autonomia”|2|.
O resultado disso foi o aumento substancial na quantidade de quilombos, que surgiram para abrigar o grande fluxo de escravos fugidos de seus cativeiros. Os arredores da cidade do Rio de Janeiro e de Santos presenciaram uma quantidade enorme de quilombos formados com o intuito de, além de abrigar os escravos fugidos, organizar formas de resistência e prestar auxílio para outros escravos.
Esses quilombos são definidos pelo historiador Eduardo Silva como quilombos abolicionistas|3|, pois possuíam lideranças politicamente articuladas para fazer a intermediação entre a sociedade e os escravos fugidos, além de prestar-lhes apoio, incentivar fuga de escravos, abrigá-los em esconderijos ou deslocá-los para o Ceará (estado em que o trabalho escravo foi abolido em 1884).
O apoio e a pressão popular foram outras formas de atuação e resistência importantes. Propagandear o movimento era importante para garantir-lhe apoio. Nesse sentido, um símbolo tornou-se muito influente, e o gesto de portar esse símbolo na época tornou-se um ato político, como definem Lilia Schwarcz e Heloísa Starling|4|. Estamos falando das camélias brancas.
No final da década de 1880, a camélia branca tornou-se um símbolo dos abolicionistas no Brasil.
Essa flor era cultivada por um quilombo localizado no Leblon e foi utilizada muitas vezes para identificar abolicionistas em ações consideradas mais arriscadas.
Por fim, somado a isso, há uma questão importante. O Estado tornou-se ineficaz no combate de todas as formas de resistência à escravidão em nosso país, uma vez que polícia e Exército começaram a fazer “vista grossa” em razão da quantidade de ocorrências. Assim, o movimento abolicionista colocou-se como um “risco” para a ordem do Império, fazendo com que a manutenção da escravidão no país fosse inviável política, econômica e socialmente.
A princesa Isabel foi a responsável por assinar a Lei Áurea em 13 de maio de 1888.***
Lei Áurea
Foi nesse quadro em que ocorreu a abolição da escravatura no Brasil. Ela não foi resultado da benevolência da princesa Isabel, mas fruto de uma forte pressão popular e política. O Império, sem saídas, optou por garantir a abolição da escravatura quando João Alfredo, político do Partido Conservador, propôs o projeto da Lei Áurea.
O projeto avançou e, no dia 13 de maio de 1888, a princesa Isabel, enquanto princesa regente do Brasil, assinou o documento que garantiu a abolição da escravatura de maneira imediata e sem reparação. Cerca de 700 mil escravos ganharam a sua liberdade, mas sem que medidas de integração social e econômica fossem realizadas. Isso garantiu que o negro continuasse extremamente marginalizado na sociedade brasileira.
Resumo
A abolição da escravatura foi um processo lento e gradual que se estendeu no Brasil ao longo de grande parte do século XIX. A pressão do movimento abolicionista e os distúrbios causados pelas formas de resistência e luta dos escravos forçaram o Império a abolir essa forma de trabalho.
Com a Lei Áurea, os negros permaneceram marginalizados na sociedade, uma vez que políticas de integração social e econômica não foram realizadas, e o racismo permaneceu como um problema grave na sociedade brasileira. Com a Lei Áurea, assinada em 13 de maio de 1888, aproximadamente 700 mil escravos ganharam a liberdade.
|1| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 305.
|2| Idem, p. 308.
|3| SILVA, Eduardo. As camélias do Leblon e a abolição da escravatura. Para acessar, clique aqui.
|4| SCHWARCZ, Lilia Moritz e STARLING, Heloisa Murgel. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015, p. 309.