ANA LIA

“Naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim”. Esta será a trilha sonora para muitas pessoas nesse dia dos pais, e comigo não será diferente. Convivo com a notória ausência do meu pai na minha vida e o tudo e o muito que pode significar meu pai, avô dos meus filhos, amparo, acolhimento, estrutura, carinho, família…

Doutor Zanizor, o amigo Zani, o Zaninho para a família. Psiquiatra que fez diferença na vida de muitas pessoas, que humanizou o atendimento a pessoas em sofrimento mental. Dirigiu o Hospital Adauto Botelho e mudou a história daquele lugar para melhor. Mas, acima de tudo, meu pai. Avô amoroso, carinhoso e cuidadoso, sempre pronto a proporcionar conforto aos filhos e netos, 5 filhos e 3 netos.

Desde pequena lembro de sair com meu pai na rua e ele ser cumprimentado por muitas pessoas. Sabia da importância dele e seu trabalho atuante na saúde do estado de MT onde ele trabalhou desde que chegou a Cuiabá, mas não sabia a dimensão que sua presença tomou na vida de muitas pessoas.

Durante esse tempo que venho lidando com o luto, tenho encontrado amigos, colegas e sobretudo, pacientes dele que remetem a meu pai com gratidão por sua conduta profissional, sempre humanizada. Algo que pelos princípios éticos da profissão médica, deveria ser uma máxima.

“Seu pai era uma luz que iluminava as pessoas que chegavam em sofrimento”,

“Seu pai foi tão querido porque a pessoa se sentia acolhida como ser humano e não como apenas um paciente”

Com sua partida, meu pai deixa o legado de seu trabalho, que merece ser memorado. Foi uma pessoa que fez diferença para cidade de Cuiabá, para o estado de MT pelo trabalho na saúde mental em vários âmbitos, pública, privada, no ensino, e na atuação com o judiciário. Com certeza, trabalhava com toda sua intereza. Ele traduzia sua experiência de mundo e conhecimento em algo a ser apropriado para seu trabalho, para melhor atender o outro, pois era médico e estava à serviço.

“Desde pequena lembro de sair com meu pai na rua e ele ser cumprimentado por muitas pessoas. Sabia da importância dele e seu trabalho atuante na saúde do estado de MT onde ele trabalhou desde que chegou a Cuiabá, mas não sabia a dimensão que sua presença tomou na vida de muitas pessoas”

Viveu com amor a sua profissão, até seu último dia. Da mesma forma se dedicava a sua família. Seu legado não está concreto em livros escritos, composições ou arte que fez (apesar de ter feito algumas desses coisas), mas sim no que foi tocante às pessoas.

A véspera do dia dos pais nesse ano seria seu aniversário. Meu pai nasceu em 12 de agosto de 1949 e faleceu em 10 de fevereiro de 2021. Celebro o dia dos pais e seu aniversário com muita saudade e com a publicação de seu obituário escrito à época e que poderia ter sido publicado na ocasião do seu falecimento em 10 de fevereiro de 2021, mas no momento agudo do luto, não foi possível. De lá até aqui, esse texto é uma forma de encontrar lugar para um vazio tão repleto da vida do meu pai.

Zanizor Rodrigues da Silva

Amigo, querido por tantos e respeitável profissional, Zanizor nasceu em 12 de agosto 1949, em Três Lagoas (MS), o quarto filho de uma família de 9 irmãos. Sua mãe carioca e seu pai cuiabano se casaram no Rio de Janeiro em 1944. Devido ao trabalho do seu pai, a família morou em diversas cidades até regressar para o Rio em 1960. Os filhos nasceram então no Rio de Janeiro, Mato Grosso, Santa Catarina e interior do estado do Rio de Janeiro. Desde a infância Zanizor era ligado às artes, aos 8 anos cantava na rádio local.

Casou-se, em 1975, com Rosângela, em 1977, formou-se em Medicina pela Universidade Federal Fluminense, especializando-se em psiquiatria. Ainda em Niterói-RJ, participava ativamente de um grupo de médicos, psicanalistas e outros profissionais que estudavam e discutiam novas abordagens na psiquiatria, como o movimento antimanicomial e a antipsiquiatria, ideário que marcou sua prática profissional.

Recém-formado, com a esposa e um filho pequeno, foi para Moçambique, que havia recentemente deixado de ser colônia portuguesa, onde compôs a equipe dos únicos 6 psiquiatras do país com 10 milhões de habitantes. Depois de dois anos contribuindo valorosamente com a medicina que renascia naquele país, voltou para o Brasil, já com dois filhos e a terceira filha quase para nascer. A família, a esta altura com três crianças pequenas, mudou-se para Cuiabá, terra de seu pai, em 1981.

Em Cuiabá, Zanizor se radicou e consolidou sua vida profissional. Casou-se, pela segunda vez, com Cristina, com quem teve dois filhos. Exerceu importante papel na medicina e na psiquiatria de Mato Grosso, como professor da faculdade de Medicina da UFMT e médico da Secretaria Estadual de Saúde, destacando-se como um dos poucos psiquiatras forense do estado. Membro da Associação Brasileira e da Mato-grossense de Psiquiatria. Um corajoso defensor da psiquiatria humanizada, foi diretor do Hospital Adauto Botelho (1997-2002), que sob sua gestão experimentou grandes progressos, com melhores condições de tratamento para os pacientes e de trabalho para os servidores. Na clínica, atendeu inúmeros pacientes, trazendo alento e contribuindo com a saúde mental de muitas pessoas durante mais de 40 anos de carreira.

Em 2005 recebeu uma Moção de Aplausos da Câmara Municipal de Cuiabá por sua contribuição na sociedade. Em sua busca incessante para compreender a natureza humana, concluiu o curso de Graduação em Filosofia, em 2007, na Universidade Federal de Mato Grosso.

Amante das artes, cinéfilo, bibliófilo, compôs canções, peças teatrais e escreveu ensaios. Era apaixonado por música, cinema e literatura. Sempre disciplinado, gostava de praticar atividades físicas e fazer caminhadas. Flamenguista, jogava futebol desde os campos do Aterro do Flamengo no Rio de Janeiro, onde foi fundador de um time amador. Em sua homenagem, ao lado do Hospital Adauto Botelho, um campo de futebol recebeu seu nome como lembrança dos jogos das manhãs de sábado.

Gostava de cozinhar e assistir filmes e séries. Buscava o conhecimento em diversas áreas, estava sempre lendo vários livros simultaneamente e ouvindo novidades musicais além das suas preferências da vida toda. Ultimamente estava muito interessado em podcasts e volta e meia tinha um assunto novo para compartilhar e debater. Era um mistério entender como ele tinha tempo para ouvir, ler e ver tanta coisa, além de atender várias demandas da profissão e da família.

Nos últimos anos, solteiro, morava na companhia de sua filha e netos. Aposentado da UFMT e da Secretaria de Estado de Saúde, atendia diariamente no consultório que mantinha há mais de 25 anos. Na manhã do dia 10 de fevereiro de 2021, no horário em que costumava acordar para suas atividades diárias, Zanizor iluminou o céu.

Acima de tudo, foi pai e avô amoroso, carinhoso e cuidadoso, sempre pronto a proporcionar conforto aos filhos e netos, 5 filhos e 3 netos. Como filho, irmão e neto dedicou imenso carinho aos pais, irmãos, sobrinhos e avós, nas visitas e telefonemas regulares, longas conversas e muitos casos. Aos amigos distribuiu simpatia e reservou sua solidariedade e dedicação.

Doutor Zanizor, o amigo Zani, o Zaninho para família, fez diferença na vida de muitos de nós, familiares, amigos e pacientes. Sempre com uma palavra ou um sorriso simples inesquecível. Fará uma falta imensa e deixa um vazio que nada preencherá. Mais importantemente, deixa a marca de sua bondade, amizade, vivacidade, simplicidade, bom humor e alegria de viver em todos nós que convivemos com ele. Temos a certeza de que o convívio com Zanizor foi um privilégio e ele terá sempre a nossa gratidão por ter sido tão amigo, bondoso e humano. Saudades para sempre.

Ana Lia é doutora em Cultura Contemporânea e servidora da UFMT.

*Os artigos são de responsabilidade de seus autores e não representam a opinião do Cuiabano News.