- “Pane no sistema, alguém me desconfigurou
- Aonde estão meus olhos de robô?
- Eu não sabia, eu não tinha percebido
- Eu sempre achei que era vivo.” (Pitty)
Baseado no romance Admirável Mundo Novo, escrito em 1932, sob a batuta do Nobel de literatura, o britânico Aldous Leonard Huxley, a música composta pela rockeira baiana Pitty não poderia ser tão atual. A referência nos conduz à reflexão sobre o processo de distopia. É, estou falando do momento atual. Do tempo presente. E dessa parada abrupta e disruptiva em meio à corrida – maluca e veloz – nossa contra o tempo.
Desde os primórdios, o “homem” brinca com este senhor. Do surgimento da filosofia, no século VI a.C, quando se espantou com a ação do tempo sobre o meio, é que nos deparamos com esse paradoxo. De Tales de Mileto até os mileniais, chamados de “geração Y”, muita coisa mudou nessa relação. Os avanços tecnológicos nos fizeram mergulhar a fundo no espaço cibernético.
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É nessa esfera que se dá, especialmente em tempos de isolamento, nosso contato com o mundo exterior. O mapa revela um terreno movediço, o das relações líquidas. A efemeridade e o culto à imagem nunca estiveram tão em voga. Mas isso não é fluído novo. Desde as cavernas, o ser humano já possuía esse fetiche pela imagem. E, em que pese a própria, Narciso ainda acha feio o que não é espelho.
Neste pavilhão reflexivo, cabe a análise sobre a crise sanitária internacional e os ajustes das lentes focais que ela pode provocar. A mudança de percepção sugerida pelo prisma do coronavírus, nos instiga a enxergar um pouco menos lá fora e olhar muito mais para dentro de si. Face a face, olhos nos olhos, façamos uma radiografia de nós mesmo.
O que se vê na moldura, que define sua imagem social, já não é tão importante. Nestes tempos, devemos perguntar menos: “espelho, espelho meu…”. Afinal, são nos processos de crise, especialmente as existenciais, em que as máscaras dão lugar à verdadeira face, nua e crua. A pandemia trouxe consigo muita tristeza e mortes, de fato. Mas também vida, quando alterou nossa percepção sobre a fragilidade que é a vida, num freio de arrumação interior.
No gume afiado que separa vida pública de privada, está o paradoxo do isolamento. O “click” é que nos impulsiona, num movimento disruptivo frente à inércia. Queremos saber tudo sobre a pandemia da Covid-19. E o que já sabemos com toda certeza é que ela está sendo implacável na condenação de nossas limitações, insuficiências e incapacidades, embora todos os avanços conquistados até o século XXI.
O vírus também demonstra o quão conectados estamos a esta aldeia global. E o tamanho da necessidade de obtermos resistência, antivírus ou anticorpos e resiliência. Afinal, estamos mesmo tão próximos, porém ainda muito distantes. A tecnologia é ponte e muro. Incapaz de encontrar uma cura para a doença, resume-se à missão de informar e, também, de desinformar, multiplicando os inúmeros casos de um outro vírus – o da ignorância.
A Era da Informação escancarou as portas da biblioteca de Alexandria. Temos acesso as mais variadas fontes de conteúdo, mas submersos sob as águas turvas de um mar revoltoso. Ouvimos de alguns que “Oxford, Harvard, Yale, Cambridge e USP não têm nenhuma credibilidade”. É preciso admitir. Umberto Eco tinha razão. As redes sociais também deram voz aos imbecis, que fazem questão de empunhar a bandeira do reducionismo encefálico.
Falo de fenômenos como as Fake News, que viralizam não apenas hoje, dia primeiro de abril. Notícias falsas correm mais rápido que o coronavírus. E elevam o grau de tensão social, ampliando a sensação da liquidez pós-moderna. A reputação, claro, segue em alta. Mas na pós-verdade, ela pode virar pó em questão de segundos. Contudo, para além da credibilidade, encontra-se o caráter. Falo é de gente de verdade. De fundamentos. Do bom alicerce. Daquela pedra. Dura, porém maleável o suficiente para receber os 10 mandamentos para a redenção.
Caro leitor ou leitora, não quero aqui me enveredar pelo viés da necessidade dos códigos de conduta. O convido para ir além. Mas já que não me acompanhou até aqui, me ajude, vai. Falta pouco para acabar este ensaio sobre a masturbação intelectual. Façamos um pequeno esforço de reflexão. Afinal, precisamos de uma nova ética, um novo modelo de sociedade, uma novo estilo de vida? Se sim, então qual mundo que desejamos encontrar depois de atravessar o vale?
Por fim, fica o alerta de pane no sistema. Alguém nos desconfigurou. Depois dessa volta na ampulheta, a areia do tempo agora escorre bem devagar. O sistema operacional carece de uma atualização. Baixe agora a versão HUMANO 4.0. E, espero – no sentido de esperançar como gosta de dizer Mário Sérgio Cortella – que seja essa bem melhor. Uma variante mais humana da nossa própria espécie. Capaz de amar a seu próximo como a si mesmo. Fique em casa por nós!
*LUIZ HUGO FERNANDES QUEIROZ é jornalista, especialista em Assessoria de Imprensa, Comunicação Estratégica e Marketing Político.