Qualquer pessoa que ambicione e consiga se tornar um homem público, assumindo algum cargo eletivo, ou executivo, ou judiciário terá certamente sua vida regressa toda vasculhada. Com certeza, descobrirão minúcias de suas falhas, algo que possivelmente já estivesse até esquecido. O fato é que o passado sempre nos condena, pois é impossível passar pela vida sem ter cometido algumas bobagens ou maldades.
O erro nos forma, pois é errando que aprendemos, sem eles não tiraríamos as lições para o nosso amadurecimento, pelo menos aqueles que sabem tirar ensinamentos do ocorrido, ainda que desagradável. Como errar é inevitável, tudo que nos resta é tirarmos lições. A maior parte das bobagens e maldades advém mais da nossa ignorância do que da má fé, eis porque tanto as bobagens como as maldades vão deixando de ser cometidas no decorrer dos anos.
Quando olhamos para os candidatos a algum cargo público, busca-se nos seus pequenos gestos, seus desvios assim como virtudes. Mas, tudo acaba sendo assunto na praça das opiniões. A hemorroida, a vesícula, o apendicite, as amídalas, a fimose, o períneo, ovários e próstatas expostos, a religião ou sua falta, sua roupa, tudo se torna público, escancarando sua intimidade exibida à apreciação curiosa do público.
Coisa que se fez e nem se lembra, ou não deu importância na época da ocorrência, de repente, se torna objeto de análise, de reprovação ou aprovação. Suas notas na escola, aquela suspensão na adolescência (quando todos desafiam as autoridades), os lugares que frequentou e frequenta, os médicos que consulta, tudo colabora para formar a imagem dessa pessoa pública.
O que se é pouco importa, mas a forma como contam nossa vida, podem dar aparência distintas às intenções e ações. O que importa é a aparência forjada pelo que se revela, assim como pela forma que se enuncia.
Peguemos o caso recente da nossa nova secretária da cultura, a Regina Duarte. Até ontem era apenas uma atriz consagrada, além da namoradinha do Brasil. Desde que foi sondada para o cargo já se fizeram inúmeras “revelações” sobre ela. Agora sabemos que a atriz recebe a imoral pensão de filha de militar solteira, quando ela teve inúmeros casamentos. Também sabemos que ela não está com suas contas em dia com relação aos recursos levantados através da lei Rouanet.
Tais revelações desabonam a pessoa. Sua moralidade torna-se questionável, sua honestidade fica arranhada, e se a pessoa se utiliza da lei para benefício próprio em detrimento de toda sociedade (receber a pensão de filha de militar, privilégio de poucas), assim como de recursos “públicos” despreocupada em retribuir com algum produto cultural, como será a atuação da mesma à frente de uma secretaria de cultura quando terá acesso privilegiado a informações? Se sem poder, abusa de suas prerrogativas, o que não fará de posse do poder do cargo?
Naturalmente, podemos ter uma visão bondosa e dar o benefício da dúvida, esperando que a atriz se justifique. No entanto, a má fama já é pública, e são precisas poucas palavras para fazer a acusação, e são precisos vários volumes para se desenvolver a defesa, pois para a maioria, a condenação se parece mais com a justiça do que absolvição. E mesmo assim, uma vez condenado, raramente se acredita na inocência posterior.
O fato é que ao se pleitear algum cargo público, se se tem pretensão eleitorais, ou se tem um passado impecável – o que é raro, ou se tenta esconder tudo, ou arrume boas explicações para suas atitudes passadas. Se quer ter direito a intimidade, não se deve concorrer aos cargos eletivos ou assumir postos políticos de poder, pois que se tornam vitrinas, principalmente aos seus inimigos. O homem público tem que ter consciência que abriu mão do direito a uma vida privada.
ROBERTO DE BARROS FREIRE é professor do Departamento de Filosofia da UFMT.