O anúncio da OMS (Organização Mundial de Saúde) em 11 de março de 2020, da existência de uma pandemia, modificou o mundo.
Prevenção, medo e discussões infinitas viraram rotina – fruto da preocupação com saúde pública e demais políticas públicas, mas também da ansiedade gerada pela crise sem precedentes para essa geração.
Para quem esteve consciente, o efeito econômico já se desenhava, independente das políticas de isolamento adotadas. As bolsas de valores despencaram e a operação logística ficou mais difícil.
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No sistema de Justiça – o Poder Judiciário, o MP, a Defensoria Pública, a Advocacia Pública e Privada – foi tempo de adaptação às novas rotinas impostas. Teletrabalho, que se discutia com cautela, foi implementado em menos de uma semana.
Porém, é agora que virão os grandes desafios para o Judiciário.
Existem críticas, construtivas quando aprofundadas, quanto ao tempo do trâmite de procedimentos judiciais. Diante de tal questão sempre chamo a atenção ao cenário: a realidade fática. No Brasil vivemos sob a cultura do decreto, da imposição de modificações via lei, de planos econômicos que mudavam moeda e acordos anteriores do dia para a noite – e de surpresa. O confisco da poupança nos anos 1990 provocou uma avalanche de ações de cobrança. O Plano Real até hoje tem demandas quanto a conversão da URV.
Decisões são tomadas sem avaliar o impacto para a gestão do sistema de justiça, que planeja e estabelece metas, mas cuja demanda decorre da realidade dos fatos da vida política, cultural (vide o número de processos criminais por violência de gênero) e econômica.
Pois bem, no dia 11 de junho de 2020, completamos três meses sob a influência da pandemia. E começa a chegar a maior avalanche de ações judiciais que já se viu (e isso na história do mundo, pois nas guerras, gripe espanhola e afins, não tínhamos o Judiciário estruturado como Poder como hoje). O cidadão anseia pelo mais necessário: pacificação social. Seus créditos, sua sobrevivência, a proteção de seus direitos. Ou seja, pela essência da função de Justiça.
A COVID-19 já gerou demandas. Discussões e rediscussões de competências de entes federados, grandes aquisições de material de saúde, e agora deverá descer às milhares de ações individuais na 1ª instancia.
Os números do desemprego aumentaram de 11%, no fim de 2019, para 12, 2% no primeiro trimestre de 2020, isso com a Medida Provisória nº 936, que prevê proteção para os empregos, paga parte dos salários, e ainda conta com linhas de crédito para pagamento de remuneração. O fim da vigência da MP e dos programas assistenciais significam ações trabalhistas.
A previsão de PIB negativo e a dificuldade financeira, infelizmente implicará em procura das varas de recuperação judicial e falências. Quantos processos por inadimplemento de empréstimos, atrasos de aluguel, condomínios, prestações de carros e cartão de crédito veremos?
Feminicídios aumentaram e há estudos sobre ondas de criminalidade crescentes, inclusive na UFMT, para avaliar o impacto desta crise nos índices de violência. Os números de processos criminais seguirão a realidade.
Cessarão os efeitos das medidas de suspensão de cobrança de tributos e da prorrogação de certidões negativas de dívidas das fazendas públicas, com efeito direto nas varas de fazenda pública?
Sem falar nas indenizações dos que faleceram contaminados na linha de frente do combate à doença. E os tristes inventários dos mais de 30 mil mortos (até hoje).
Estamos preparados? Só com esta consciência poderemos evitar o colapso de mais um sistema – além do SUS e do SUAS que lutam para não chegar à inoperância.
Creio que cada um que atua no sistema judicial deve ser agente pensante de soluções que auxiliem a manejar a avalanche de demandas, contribuindo com criatividade, estudo, soluções consensuais, arbitragem e decisões coletivas. Boa fé é pensar em rapidez, eficácia e não prolongar o conflito.
Pensar no cidadão que está na ponta, ansiando que o Judiciário seja parte ativa da solução de seus problemas, e auxilie a vencer essa tragédia.
*GLÁUCIA ANNE KELLY RODRIGUES DO AMARAL é procuradora do Estado de Mato Grosso e presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher.
CONTATO: www.facebook.com/glaucia.amaral