Era uma casa rosada em cuja fachada destavam-se dez risonhas janelas azuis contornadas por faixas de alto relevo, pintadas em outro tom da mesma cor. Ao lado passava uma estrada alegre, que ainda passa, só que agora asfaltada. O asfalto deu velocidade aos carros e pressa às pessoas que já não notam as janelas outrora risonhas. No máximo olham a casa.

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Se conseguem ver as tais janelas  não distinguem se são risonhas ou sérias. Mas elas agora são sérias. Quase sombrias.

Nesta região montanhosa de onde eu  vim as estradas escapam dos brejos e dos montes mais altos e vão circundando as elevações menores para transpor os rios e os córregos onde a natureza facilite a obra.

A casa das janelas risonhas, que revejo com nitidez na memória da infância, ficava de frente para uma dessas estradas, distante dela uns 200  metros, no mesmo nível. As janelas voltadas para o leste sempre estavam abertas refletindo nas vidraças o tépido sol da manhã.

Um dia as janelas risonhas não mais sorriram. O sol desbotou a tinta, entortou sua madeira e a estrada ficou triste.

Quando a estrada ainda era alegre e as janelas risonhas, uma mulher bonita, também alegre e também risonha, ficava na janela à espera do moço que vinha com frequência tratar de negócios ou para uma visita de cortesia.

No começo ele vinha montado em um bonito cavalo castanho de longa crina, bem escovada e penteada. Depois comprou um jeep vermelho de capota de lona. A mulher bonita da janela risonha, que era viúva, apaixonou-se pelo moço do jeep vermelho, que usava um bonito chapéu de feltro e um lenço encarnado no pescoço.

O moço do Jeep vermelho, do chapeu de feltro e do lenço encarnado notou a paixão da mulher bonita e amiudou as visitas.

Um dia, a filha da mulher da janela que estudava na cidade, veio de férias. O moço do lenço encarnado viu que a menina já era uma moça.

A mulher bonita da estrada alegre, da janela risonha viu que o moço viu a moça e ficou triste.

 

Quando a moça de férias apaixonou-se pelo moço do Jeep vermelho a mulher bonita  ficou infeliz e a janela ficou séria.

Depois o moço do Jeep vermelho apaixonou-se pela moça de férias e deixou triste, na tristonha estrada, na janela séria, a mulher ainda bonita.

 

Em setembro, quando a primavera chegou dourando o capim gordura e aquecendo a alma, a filha da mulher bonita partiu com o moço do Jeep vermelho e do lenço encarnado.

Então a mulher bonita ficou feia, a janela risonha ficou séria e a estrada alegre ficou triste.

Nunca mais a mulher feia da janela séria, da estrada triste quis ver a filha nem os netos que ela lhe deu. Tudo por amor ao moço, que hoje odeia.

O moço do jeep vermelho e lenço encarnado, paixão da mulher bonita da janela risonha, é hoje o genro da velha feia, amarga, da janela séria, da estrada triste.

Obs. Crônica sobre uma história verdadeira publicada no meu livro “O Diabo Vai ao Céu”- editora Juruá-Curitiba-Pr. A filha da mulher bonita da estrada alegre ainda vive.

*RENATO PEREIRA PAIVA   é empresário e escritor em Cuiabá

CONTATO:  renato@hotelgranodara.com.br