Quando se fala em “ilha dos gatos” no Japão, há uma variedade de localidades a escolher. A maioria delas são ilhotas, com apenas algumas centenas de habitantes e uma economia que gira em torno da pesca. Os gatos, nesses lugares, geralmente foram introduzidos como uma forma de controlar os ratos.
Essas características se aplicam perfeitamente à Ilha de Aoshima, na Província de Ehime, próxima às cidades de Matsuyama e Hiroshima, talvez a mais famosa de todas as “ilhas dos gatos”. Neste lugar peculiar, calcula-se que existam 36 gatos para cada humano — ou, pelo menos, é o que diz o site Asahi Shimbun Globe, que esteve lá em 2019 e contou 200 gatos para apenas 6 residentes.
No entanto, um relato mais recente, de 2023, do jornal britânico The Guardian, observou que havia apenas quatro residentes e 80 gatos.
O lugar é pequeníssimo, com cerca de 425.000 metros quadrados, o que equivale à área do bairro da Liberdade, em São Paulo, ou da Urca, no Rio de Janeiro. Não há lojas, restaurantes, quiosques ou mesmo as famosas máquinas de venda automática do Japão. Tudo que você precisar consumir, vai ter que trazer do continente. E isso se conseguir chegar: a balsa vem ao porto da cidade duas vezes por dia, mas as condições climáticas fazem com que as viagens sejam canceladas com frequência.
Os gatos estão por toda parte: no cais, nos quintais das casas, nas ruas, nos muros, nos bancos e até mesmo no único santuário da ilha, que fica em uma de suas pontas. Eles gostam de se acumular nos pontos de alimentação, as únicas áreas em que podem receber comida.
Apesar de serem selvagens (no sentido de que podem ir e vir como quiserem), eles se acostumaram a receber alimentos dos humanos e dependem deles para sobreviver. Se não fossem os voluntários que se dispõem a cuidar dos bichanos, os bichos morreriam provavelmente de fome.
Aliás, essa é uma possibilidade bem realista, já que a população local está diminuindo. Na primeira metade do século 20, Aoshima atingiu seu pico populacional, com cerca de 900 habitantes. Conforme o tempo foi passando, os moradores foram deixando a ilha e se realocando no continente. Em 2013, haviam sobrado cerca de 80 moradores. Em 2017, eles já eram apenas 13. Agora, são quatro. A crise demográfica não atinge apenas a ilha e é um dos problemas mais sérios enfrentados pelo Japão na atualidade.
Conscientes de que os gatos ficarão desamparados quando os humanos se forem, os residentes organizaram uma castração em massa em 2018, o que ajudou a diminuir a população de felinos. Os que sobraram vão morrer aos poucos, pois a maioria já está velha e doente, assolada pela cegueira e doenças respiratórias — resultado de décadas de endocruzamento, o acasalamento entre indivíduos geneticamente relacionados.
Ou seja, os dias de Aoshima como uma ilha dos gatos estão contados. Mas quem vier no futuro poderá encontrar as ruínas da ocupação humana e até, quem sabe, o cemitério dos gatos, cuja localização é mantida em segredo pelos habitantes.
“É muito triste, mas acho que as pessoas irão desaparecer antes dos gatos. A ilha tem quase 400 anos de história, mas será extinta. O melhor que podemos fazer é cuidar deles até o fim”, afirmou ao Guardian Kiichi Takino, residente da ilha e membro da Sociedade de Proteção dos Gatos de Aoshima, uma ONG que monitora o bem-estar dos animais.
(Por Victor Bianchin)