A ignorância é a mãe de todos os males da humanidade contemporânea. Esta minha afirmação pode parecer absurda para quem acredita que desenvolvimento tecnológico, riqueza econômica e acesso fácil à volumes incalculáveis de informações que transitam pelas telas digitais de smartphones, tablets, PCs e televisores sejam sinônimos de civilização e elevação da cultura. Crença esta, aliás, também fruto da ignorância mais básica.
A realidade é inegável. O homem contemporâneo é mais ignorante do que um neandertal. É dotado de uma ignorância superior, evoluída, claro. Uma ignorância advinda do acúmulo da arrogância, da ilusória autosuficiência, do narcisismo histriônico e do pedantismo dos que, possuindo riquezas materiais, julgam-se superiores aos que não as tem – por terem sido espoliados ou por terem sido encurralados em territórios hiper-explorados e ou de baixa capacidade de recursos essenciais à subesistencia.
O filósofo grego Aristóteles disse que todo homem aspira conhecer e ser feliz. A trajetória da humanidade desde a idade antiga, no entanto, contrariou o pensador. Nestes dias da história, classificados pela academia como era da pós-modernidade, o conhecimento se tornou fonte de segregação, preconceito, miséria, tragédia, fome, infelicidade, solidão, guerra e morte.
É fato que o conhecimento se mostrou incapaz de civilizar e aprimorar a humanidade no indivíduo e, por extensão, na sociedade.
O filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre nos joga na cara que conhecer é mergulhar no vazio nauseante e inescapável da ignorância, que é impossível que a consciência humana alcance o todo que nos rodeia. Há quem discorde, claro. Mas, a verdade é que conhecimento não é redenção na contemporaneidade e sim, condenação e infelicidade. Felizes mesmo só os alienados, os bobos de nascença, os hipócritas e sociopatas.
Trazendo essa compreensão filosófica sobre conhecimento e ignorância para a realidade brasileira, acendem-se poderosos fachos de luz que iluminam o atual momento histórico e político que vivemos no país. O estado de barbárie que assola a nossa sociedade, enfim, se autoexplica.
Podemos perceber com clareza porque a sociedade brasileira, sempre atrasada, atravessa sua “idade das trevas” em pleno Século XXI.
De um lado, temos o ápice da capacidade inventiva humana na ponta dos dedos, as estrelas ao alcance de um foguete ou de um telescópio intergalático.
De outro lado, temos a bestialidade manifesta na forma do armamento desenfreado da população de um país sem inimigos externos, líder continental em mortes por armas de fogo e motivos fúteis; uma parcela significativa da povo tomada pela estupidez dos ruminantes que frente à uma pandemia, nega a ciência, as recomendações dos cientistas e a cautela natural diante da ameaça letal e se comporta como manada estourada em meio à uma das pestes mais extensas registrada na história. Enquanto isso, a maior parte dos governantes age como se amanhã o mundo fosse o Édem da seita dos Adventistas.
Tais eventos comportamentais – nos campos político e socio-cultural – não são meros efeitos colaterais de crises externas e incontroláveis, infelizmente. São na verdade a causa destas, uma vez que tais atos deliberados e conscientes, adotados por convicções e conclusões amadurecidas por longo tempo na mente de cada indivíduo as precedem.
As mazelas a que somos submetidos diariamente são frutos de um acúmulo de conhecimento acentuadamente pernicioso em sua origem e propósito. Um conhecimento corrompido e inútil como impulso civilizatório, como propulsor da humanidade no sentido de consciência do ser como parte de uma espécie efetivamente racional, predestinada à grandeza e ao domínio do universo material.
O conhecimento acumulado até aqui está oxidado e inoculado pela ganância, pela usura e pela mesquinhez que o transmuta em ignorância brutal, animalesca no sentido de sua abjeta irracionalidade.
É esta ignorância que grassa no Brasil, que se entranha em cada um de nós, que destrói nossa humanidade e nossa capacidade de enxergar o outro como igualmente humano, é ela que devemos – e precisamos – combater com urgência. Pois é esta ignorância culta, transbordante de saberes e informações nauseantes, mais do que a pandemia e que a crise agravada pela doença mortal, que ameaça implodir a nação.
*ANTÔNIO PERES PACHECO é jornalista, escritor e poeta.
CONTATO: antonioppacheco@pautaextra.com.br
SOCIAL: www.facebook.com/appacheco