Recentemente a Câmara Municipal de Cuiabá aprovou um Projeto de Lei apresentado pela Prefeitura autorizando-a em contrair empréstimo no valor de R$ 125 milhões para a construção da Avenida Contorno Leste.

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Trata-se de uma via planejada com 17,3 km de extensão interligando o Distrito Industrial à Rodovia Emanuel Pinheiro, abrangendo, portanto, as regiões sul (Coxipó), leste e norte (Morada da Serra) da capital.

Assim como outras tantas, a Avenida do Contorno Leste está presente na Lei de Hierarquização Viária do município, cuja primeira edição foi publicada em 1999.

A Lei de Hierarquização Viária em conjunto com a Lei de Uso e Ocupação do Solo Urbano e com o Plano Diretor definem a espinha dorsal do crescimento ordenado e do desenvolvimento urbano da nossa cidade.

Agrego a estas três leis o primeiro Plano da Rede Integrada de Transporte Coletivo, elaborado entre os anos de 1995 a 1997 e que definiu claramente os principais corredores de transporte público, bem como o modelo de integração entre os sistemas de Cuiabá e Várzea Grande, válidos até os dias de hoje.

Há, porém, um nítido descompasso entre todo esse arcabouço de leis e planos desenvolvidos no decorrer da década a de 90.

A cidade passou por um processo de crescimento desordenado ao longo dos anos 80, com as ações descontínuas do poder público municipal ao longo dos últimos 20 anos, especialmente após a publicação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá em 1992.

É neste sentido que alerto para a prematura e equivocada decisão da prefeitura em construir a Avenida do Contorno Leste neste momento.

 

Por traz dos aparentes benefícios citados pelo prefeito, no momento do seu anúncio, tais como a criação de um novo corredor econômico social e a oportunidade de proporcionar a humanização do trânsito na região, há na verdade o iminente perigo de forçar a ampliação do perímetro urbano logo acima dos condomínios Belvedere e Rios de Cuiabá.

 

O propósito seria valorizar áreas privadas e fomentar o mercado imobiliário em detrimento da racionalização e ocupação dos tantos vazios urbanos que temos na nossa Cuiabá. Mal foi anunciada a construção desta avenida e já andam circulando por aí Masterplans de condomínios em áreas hoje desvalorizadas por estarem fora do perímetro urbano.

O Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo vieram exatamente com o propósito de frear a expansão territorial e fazer com que a cidade “cresça para dentro”, ou seja, buscando otimizar a infraestrutura existente e trazendo a densidade populacional urbana a níveis mais racionais.

A densidade demográfica ou densidade populacional é uma medida utilizada para avaliar a distribuição da população em um território indicando a quantidade de pessoas que habitam um determinado espaço geográfico.

Desta forma, é coerente afirmarmos que as densidades urbanas maiores são importantes para se alcançar um desenvolvimento sustentável. A maior concentração de pessoas maximiza o uso da infraestrutura instalada, diminui o custo relativo de sua implantação e reduz a necessidade de sua expansão para áreas periféricas.

As altas densidades reduzem também a necessidade de viagens, já que a concentração de pessoas favorece as atividades econômicas como comércio e serviço a nível local. Por fim, e não menos importante, encorajam a caminhabilidade e viabilizam a implantação de sistemas de transportes coletivos.

O melhor exemplo de crescimento urbano ordenado e obediência ao planejamento contínuo está na cidade de Curitiba. Em 1972, o Plano Diretor da capital paranaense condicionou a expansão urbana ao adensamento populacional dos eixos estruturais existentes e equipados com toda a infraestrutura urbana, inclusive com corredores de transporte público.

Em 1975, surgiu o plano da Rede Integrada de Transporte Coletivo da Região Metropolitana de Curitiba que, desde então, passou a ser um dos pilares do desenvolvimento urbano sustentável da cidade. Segundo o IBGE, a cidade de Curitiba apresentava uma população de 1,7 milhão de habitantes e uma densidade demográfica de 4.027 hab/km² em 2010. No mesmo ano, Cuiabá possuía pouco mais de 551 mil habitantes e uma densidade demográfica na ordem de 157,6 hab/km².

Na prática, a capital de todos os mato-grossenses privilegiou o adensamento em áreas mais distantes daquelas já ocupadas, seja na forma dos condomínios de luxo ou no âmbito dos programas habitacionais populares, com restrita infraestrutura de circulação e baixa oferta de transporte coletivo em detrimento da consolidação urbana ao longo dos eixos estruturais importantes como as avenidas Fernando Corrêa da Costa, Historiador Rubens de Mendonça e Dante de Oliveira, três dos maiores corredores de transporte público e que ainda hoje estão cheios de terrenos desocupados e de galpões disfarçados de comércio.

Isso explica a razão dos moradores que se instalaram na região dos Florais e entorno, a partir de 2005, padecerem hoje no congestionamento da Avenida República do Líbano, por exemplo, por ser a única ligação estrutural direta com o centro da cidade ou com a Avenida Miguel Sutil, nosso eixo metropolitano com a função de atender e distribuir as demandas de tráfego entre todas as regiões da cidade e a vizinha Várzea Grande.

Enquanto isso, discute-se a viabilidade econômico-financeira para manter em operação o VLT ou qualquer outro sistema estrutural de transporte público nesta cidade esparramada e pouco adensada.

Há outras vias planejadas para serem tiradas do papel muito mais relevantes e capazes de “humanizar” de verdade os vazios urbanos existentes, diminuir as distâncias de deslocamento, fortalecer o transporte público que se esvazia anualmente e melhorar a ligação entre bairros da capital do que propriamente a Avenida do Contorno Leste.

Ainda há tempo para uma nova consulta à legislação e evitar uma nova expansão do perímetro urbano de forma equivocada.

*RAFAEL DETONI MORAES é arquiteto urbanista, mestre em engenharia de transportes e usuário assíduo das calçadas e do transporte coletivo.

CONTATO:  www.facebook.com/rafael.detoni.988