Em época de pandemia, risco de contágio e isolamento social, o trabalho virtual mostrou-se como um excelente aliado para permanecer desenvolvendo as atividades laborais sem o contato iminente com o próximo. No judiciário, é claro, não poderia ser diferente.
Com os tribunais determinando a suspensão dos prazos e atendimentos presenciais, instituindo o teletrabalho e reuniões via plataformas digitais, buscou-se aproveitar ao máximo as ferramentas tecnológicas postas a nossa disposição.
No âmbito do direito de insolvência, o assunto mais discutido fora a possibilidade, sob o manto de decisões judiciais, de realizar Assembleia Geral de Credores de forma virtual.
A inovação permite que os credores, devedora e interessados participem da assembleia de credores em um ambiente totalmente virtual, planejado e dirigido pelo administrador judicial. Aliás, incumbe à administração judicial e sua equipe multidisciplinar, a organização do evento assemblear, operacionalização da ferramenta de conferência, condução do feito, garantia da participação dos credores e exercício do poder de voz, concedendo o direito ao contraditório e ampla defesa a todos os envolvidos no ato.
Como sabemos os preceitos da lei devem ser aplicados ao caso concreto, entretanto, deve-se levar em consideração que regras rígidas e inflexíveis não cabem em procedimentos multidisciplinares como são os processos de soerguimento da empresa.
Em cada um dos feitos, regidos pela Lei 11.101/2005, existem questões ligadas à economia local/global, educação, conteúdos intrínsecos ao comportamento humano, enquanto indivíduo e sociedade, mostrando a complexidade da matéria ao analisar cada caso concreto e suas nuances registradas nas páginas dos autos.
Diante disso, e reforçando o ideia do parágrafo anterior, tem-se a máxima de: cada caso é um caso.
Em que pese a aparente tendência à adesão da assembleia de credores por meio virtual, existem diversos fatores a serem considerados em face das problemáticas que podem surgir em uma eventual designação de ato assemblear virtual.
Casos nos quais os credores trabalhistas envolvidos no processo são moradores que não possuem acesso à internet, não têm alcance aos aparelhos eletrônicos e conhecimentos de como operá-los, pois vivem em áreas sem estrutura, dessa forma, não teriam ingresso nas deliberações on-line dos credores.
Ressalta-se aqui, que grande parte dos referidos credores laborais serão essenciais para auxiliar na restruturação da devedora, fornecendo seus recursos humanos ao empregador. Não há impedimento na possibilidade de constituir um representante legal, designando-o para o ato, no entanto a lei proporciona que o credor, por si próprio, participe das deliberações discutidas em assembleia, assim como, por exemplo, tome parte ativa para apresentar documentos que embasem seu crédito, em fase própria, perante o administrador judicial.
De forma semelhante, é preciso analisar aqueles pequenos empreendedores locais, que por vezes não têm o aparato necessário para integrar o concílio eletrônico, mas que pretende participar do processo de recuperação, contribuindo equilibradamente com seu ônus como credor, visto que necessita daquele devedor para manter seu negócio local, gerando emprego e renda.
Fato é que a determinação de uma assembleia por meio virtual e suas implicações, de forma indiscriminada e sem análise cuidadosa do ambiente em que a empresa/empresário encontra-se, pode conduzir uma devedora temporária, mas com capacidade de progresso, em uma futura massa falida, ao reunir apenas grandes credores, governados somente pelo interesse financeiro imediato, nas deliberações que poderiam resultar na quebra da recuperanda.
Alguns estados não só o Mato Grosso, seja pela sua extensão territorial, seja por possuírem economias prevalecendo a produção de produtos primários, possuem dificuldades de infraestrutura, diante disso, magistrados de uma forma geral enfrentam com maestria e determinação situações adicionais em que nada tem a ver com decisões ou Jurisdicionados. Sem esquecer que Tribunais lutam diuturnamente por aumento de orçamento tentando suprir as faltas que aqui já citei.
Essa pequena reflexão não tem por objetivo condenar a ferramenta virtual que certamente auxiliará diversas partes, mas propõe-se realizar uma observação sob outros prismas, buscando a garantia da condição de igualdade e oportunidades a todos os credores concursais sujeitos ao procedimento.
*LUIZ ALEXANDRE CRISTALDO é economista e administrador Judicial.
E-MAIL: luizalexandre@cristaldo.com.br