Ainda que as perspectivas continuem muito incertas, por motivos alheios ao futebol, clubes brasileiros começam a formar consensos nos bastidores. Como, por exemplo, a necessidade de recomeçar competições em partidas disputadas com portões fechados.
Ninguém gostaria de ver jogos sem torcidas nas arquibancadas. É um desrespeito à essência popular do futebol. Ruim até para televisão, cujas transmissões não terão a atmosfera típica de um estádio, e para patrocinadores que dependem da hospitalidade.
Como provavelmente não haverá segurança para aglomerar 30 mil pessoas num estádio de futebol no curto prazo, no entanto, o recomeço das competições com portões fechados é uma opção inevitável na maioria dos lugares. Não há como cancelar o futebol por uma temporada inteira sem que o mercado inteiro entre em colapso.
– Portão fechado é uma realidade no Brasil e no mundo inteiro. Não vai ter aglomeração no curto prazo. Haverá uma redução drástica dos sócios e das bilheterias – diz Pedro Daniel, diretor da EY
O blog, então, foi atrás dos orçamentos dos clubes para estimar as perdas iniciais para os integrantes do Campeonato Brasileiro. Baseados nas projeções de 14 agremiações para a temporada de 2020 – confira a lista abaixo –, calculamos o impacto dos portões fechados na contas.
Receitas com direitos de transmissão e patrocínios, ainda que prejudicadas pela suspensão dos campeonatos, podem ser integralmente recuperadas pelos clubes desde que não haja mudanças significativas em fórmula de campeonato, quantidade de partidas transmitidas e vendidas para patrocinadores, entre outros fatores.
Sócios-torcedores, associados com frequência nos clubes de lazer e transferências de jogadores são três entradas seriamente comprometidas, entretanto é improvável que elas zerem nesta temporada. Clubes poderão manter parte de seus associados adimplentes, bem como deverão vender atletas para os mercados doméstico e externo – a depender da gravidade da crise no mundo.
– Televisão e patrocínios são recuperáveis. Clubes são geradores de conteúdo. A partir do momento que eles conseguirem gerar conteúdo, seguindo requisitos básicos de sanitária, haverá enorme demanda represada – diz Pedro Daniel, da EY.
As bilheterias zeraram. Elas são irrecuperáveis. Como não haverá segurança sanitária para que estádios recebam público tão cedo, há cerca de R$ 500 milhões em vendas de ingressos que já sumiram.
A depender das perdas que ocorrerão com sócios e transferências, maiores ou menores, o impacto tende a ficar entre R$ 500 milhões e R$ 2 bilhões sobre as contas dos clubes. Isso a considerar um cenário em que clubes mantêm receitas planejadas com direitos de transmissão e
Quais os efeitos dessas perdas?
Pedro Daniel, diretor executivo da EY, alerta para um número. Na indústria do futebol brasileiro, cerca de 50% dos empregos gerados pela modalidade, direta ou indiretamente, estavam ligados ao dia do jogo. A maior parte dessas pessoas ficará desempregada ou sem trabalho num cenário em que partidas ocorrerão com portões fechados.
– Não se trata apenas da operação do jogo, mas de logística, transporte, rede hoteleira. Nada disso funcionará. A cadeia do futebol sofrerá perdas relevantes na quantidade de empregos gerados por causa desta crise – diz Pedro Daniel.
Ninguém no planeta estava preparado para uma crise como a imposta pela Covid-19, mas a realidade é que o futebol brasileiro estava vulnerável além da conta. Não havia margem para erro.
No caso dos clubes, o torcedor já tinha motivos para esperar que os orçamentos estourassem. Muitos dirigentes foram exageradamente otimistas em suas projeções financeiras. Muitos não conseguiriam terminar o ano com as contas no azul mesmo que as condições estivessem normais. O futebol estava em crise antes do coronavírus.
Como a margem para erro já estava muito apertada na maioria dos casos, a consequência da subtração repentina de receitas será a necessidade de reduzir custos de maneira agressiva, ou então acumular dívidas que para muitos clubes se tornarão impagáveis.
Eis alguns choques esperados no curto prazo:
- Redução dos salários de jogadores e treinadores
- Redução dos valores investidos em contratações de atletas
- Endividamento e (ainda mais) dificuldade para pagar salários
- Desemprego sistêmico em vagas diretas e indiretas
Pela natureza do negócio do futebol – gastar absolutamente tudo o que se arrecada e um pouco mais em busca de resultado esportivo –, não havia nenhum mercado no mundo absolutamente seguro para uma crise como a atual. Mas países desorganizados, como o Brasil, tendem a sofrer mais. Talvez tenha finalmente chegado a hora de o futebol brasileiro se tornar menos vulnerável perante crises generalizadas.
Entenda os números de cada clube
No início do ano, o blog analisou os orçamentos da maioria dos clubes da primeira divisão nacional – aqueles que aprontaram os documentos. Ainda que as análises tenham perdido validade por causa da crise do coronavírus, os números ainda são úteis para entender quem vinha correndo riscos mais altos e deve ter problemas na readaptação.
- Atlético-MG
- Bahia
- Botafogo
- Corinthians
- Flamengo
- Grêmio
- Internacional
- Palmeiras
- Santos
- São Paulo
- Vasco
(Globo Esporte)