A incerteza sobre a continuidade do calendário do futebol e a convicção de que as receitas vão despencar fazem com que grandes clubes negociem com seus atletas a possibilidade de corte nos salários enquanto durar a crise causada pela pandemia da Covid-19, o novo coronavírus.
Há uma grande parcela de jogadores, porém, cujos contratos acabam até o final deste mês de abril. Para esses, não existe corte de salários a negociar a partir dali. Nem salário. A perspectiva é de desemprego.
O segundo semestre é, recorrentemente, período de menor oferta de vagas no futebol, mais abundantes na primeira metade da temporada com a disputa dos estaduais, com mais clubes em ação.
Desta vez, porém, há mais portas fechadas. Sem saber como e, principalmente, quando a crise será resolvida, os clubes interromperam negociações com atletas.
– Com este cenário atual, eu estou bem preocupado. Não tenho nenhuma reserva, e as contas não esperam. No momento, eu e minha família dependemos somente do futebol – conta o goleiro Rodrigo Calchi.
Casado e com dois filhos, Calchi tem contrato até o meio de abril com o Anapolina, de Goiás, e diz ter salários atrasados.
Rodrigo Calchi, que ainda tem contrato com o Anapolina — Foto: Arquivo pessoal
Por causa da epidemia e pela paralisação do torneio goiano, o jogador deixou o Centro-Oeste e voltou para São Vicente, no litoral paulista.
– Ia ficar lá até receber, mas fiquei com medo de fecharem os aeroportos, e resolvemos vir embora.
O goleiro deixou para trás, também, duas propostas para o restante da temporada: uma de um clube da Série D, com contrato até novembro, e outra da segunda divisão paranaense, com vínculo de três meses.
O atacante Erminio, do Taubaté, da Série A2 de São Paulo, voltou para Camaçari, na Bahia, quando o torneio foi interrompido. Ele tem contrato com a equipe paulista até o dia 30 e nenhuma perspectiva de voltar a vestir a camisa do time na atual competição.
Em sua terra natal, ajuda a mãe e quatro irmãos. Conta com o aluguel de alguns imóveis para fechar as contas, mas teme calotes nos próximos meses:
– Temos essas casas, mas com essa pandemia do coronavírus está complicado – afirma o atacante, que planejava disputar a Série B ou C do Brasileiro.
Medo do contágio
A situação financeira do atacante Denner é menos preocupante. Ele está vinculado ao Juventus, da primeira divisão de Santa Catarina, e também teve as negociações paralisadas.
Mas diz que se apoia na esposa, esteticista, para “segurar as pontas”. O medo é de contágio pelo novo coronavírus.
– Estou assustado demais. Aqui no condomínio onde eu moro, existem pessoas infectadas. Não estamos saindo de casa por nada – conta Denner, que tem quatro filhos (duas meninas, gêmeas, nasceram há quatro meses).
– Surgiram algumas possibilidades (de negociação com outros clubes), mas quando a competição estava rolando. Agora todos os clubes estão parados, quase ninguém está preocupado com contratação – diz Denner, antes de se corrigir:
– Na verdade, acho que ninguém está preocupado com contratação, né?
Opção na várzea
A dificuldade em buscar um emprego no segundo semestre não é novidade para o zagueiro Diego Borges, da Portuguesa Santista, equipe da segunda divisão de São Paulo.
– Nunca nos planejamos no futebol, pelo menos nós que temos contratos curtos. Agimos um campeonato por vez – conta ele.
Diego Borges, em 2017, época em que defendeu a URT, de Minas — Foto: Ale Vianna
Com um filho de seis anos e a esposa grávida, Diego vê a várzea como uma opção para o resto do ano.
– A gente acerta com um time, e ele paga R$ 250, R$ 300, até R$ 350 por jogo. Com três ou quatro jogos por semana, eu ganho o que um clube me pagaria no segundo semestre – afirma o zagueiro.
– O bicho (valor pago por partida) é certo. Eu combino de receber antes para não correr risco. Não é só isso que o amador de São Paulo oferece: se você se machuca, dão suporte com fisioterapia, pagam academia, dão chuteira, lanche, material de jogo.
Os torneios amadores em São Paulo, assim como o futebol profissional, foram interrompidos como medida de distanciamento social no início da pandemia.
Medidas do governo
Estudo da consultoria Ernst & Young apresentado no final do ano passado, com base em dados de 2018, apontou que foi pago R$ 1 bilhão em salários a jogadores profissionais naquele ano.
A divisão do bolo é muito desigual: 7% dos atletas ficaram com R$ 800 milhões; 88% dos profissionais ganharam no máximo R$ 5 mil mensais.
Nesta semana, o Congresso aprovou medida que destina R$ 600 mensais a pessoas de baixa renda, trabalhadores informais e desempregados por três meses como medida emergen
cial para minimizar os efeitos da crise econômica causada pela epidemia da Covid-19.
Advogado especializado em direito do trabalho no esporte, Maurício Corrêa da Veiga entende que as ações do Governo Federal não alcançarão os profissionais do futebol.
– Para fazer jus ao auxílio é preciso cumprir alguns requisitos, como não ter recebido mais de R$ 28.559,70 em 2018 – diz ele.
– É um critério ruim para atletas, pois se em 2018 ele jogou por algum clube com salário de R$ 2.200 por mês, não terá direito ao benefício. (Globo Esporte)