Inconsistência ou a fragilidade, a pouca profundidade, a falta de consistência teórica ou intelectual. Uma pessoa pode ser inconsistente, um objeto pode ser inconsistente, uma norma, também. O Decreto nº 426 do Governo do Estado de Mato Grosso, que flexibiliza o isolamento social, anteriormente mais rígido para conter a Covid – 19, é inconsistente juridicamente.
Primeiro, por conter regras ilógicas. O artigo 1⁰ do referido decreto menciona que o seu objetivo é prevenir riscos de disseminação do coronavírus no estado. A prevenção, ou evitar que pessoas adoeçam ou mesmo morram é o objetivo do ato. Não sou epidemiologista, enfermeiro, médico ou estatístico, mas qual é a lógica, então, de autorizar o fechamento de parques públicos (ar livre), academias (espaço fechado, mas muitas com fluxo reduzido) e permitir o funcionamento de shopping centers? Qual é a lógica de se permitir bares, um serviço completamente substituível pelos supermercados e que naturalmente criarão aglomeração, ao mesmo tempo em que as crianças estão sem aprenderem? Das duas uma: ou o objetivo do artigo 1⁰ é mais retórico que real, ou houve um erro de digitação.
Segundo, houve uma preocupação com o aspecto econômico. Isso se infere das atividades vedadas no artigo 2⁰ (academias, teatro, parques públicos, manifestações religiosas, etc..). Excetuando-se os grandes conglomerados religiosos, que tem forte poder econômico, religioso e político, nenhuma atividade elencada no artigo 2⁰ possui poder econômico e financeiro relevante. Isso se infere, também, das atividades do artigo 4⁰, nem todas tão essenciais assim, como bares e o comércio em geral. Nesse ponto, teria sido melhor a sinceridade do que a promessa parcial contida no artigo 1⁰ (prevenir riscos de disseminação do coronavírus).
Claro, economia é muito importante. Equilíbrio fiscal, capacidade de investimento, produzir bens e serviços, aumentar a renda nacional e gerar empregos são objetivos necessários ao nosso país. Praticamente, o cidadão quer comprar uma TV nova pra ver a Copa, um carro novo pra família e viajar no final do ano. Esses prazeres importam. A prosperidade reduz a fome e a criminalidade. Pra discordar, só quem passou fome entre uma refeição e outra.
Agora, estamos num momento histórico. Teremos uma hecatombe econômica e financeira inevitável. Recessão, desemprego, prejuízos e redução de salários serão inevitáveis, independente da eficiência da hidroxicloroquina. Os Estados Nacionais gastarão mais, como se anuncia, inclusive impedindo que as pessoas adoeçam (renda mínima para autônomos), que empresas desapareçam (empréstimos), e, finalmente, cidadãos morram (aumento dos recursos para a saúde).
O momento é histórico, também, pela escolha que a sociedade brasileira, através de seus governantes, fará. Escolher a civilização ou a barbárie. Escolher salvar “velhinhos” a um custo de empobrecimento de todos nós, ou “perder” 5 ou 7 mil vidas, sem certeza de que o futuro será melhor. Viver melhor é um desejo universal, mas não ao preço de nossa desumanização.
Como publicado pelo Estado de São Paulo hoje, apenas Mato Grosso e outros dois Estados reabriram o comércio. O Decreto 426 permitiu isso. Ele tem outras inconsistências apresentadas depois, e também, consequências e alternativas importantes.
*RINALDO RIBEIRO DE ALMEIDA SEGUNDO é formado em Direito e Ciências Econômicas. Promotor de Justiça em Cáceres – Mato Grosso.
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