Não é segredo para ninguém que bebidas alcoólicas fazem mal à saúde. Claro que, em doses moderadas, não há problema em tomar uma taça de vinho ou um copo de cerveja – pelo contrário, estudos indicam que essas bebidas até trazem benefícios quando consumidas na quantidade certa. O risco existe quando um drink inocente vira uma ingestão exagerada de álcool
A Organização Mundial da Saúde (OMS) planeja diminuir em 10% o uso nocivo de álcool (quando há consequências sociais ou de saúde tanto a quem bebe quanto a quem está próximo) até 2025. E, nesse ponto, o Brasil não está mal na fita. Segundo a OMS, o país reduziu em 11% o consumo de álcool per capita em seis anos: passou de 8,8 litros em 2010 para 7,8 litros em 2016. Com base em dados do Datasus, o Cisa concluiu que o número de internações por causa de bebidas alcoólicas a cada 100 mil habitantes baixou de 172,9 para 168,2 entre 2010 e 2018. As mortes por álcool também caíram: de 5,8% para 5,4% nesse mesmo período.
Esses e outros dados estão reunidos na edição de 2020 do relatório Álcool e a Saúde dos Brasileiros, publicado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (Cisa). Em evento que aconteceu nesta terça-feira (3) em São Paulo a entidade apresentou dados que animam – mas que também preocupam. Entre eles está o crescimento da ingestão de álcool entre mulheres e jovens.
Apesar de o consumo abusivo de álcool ainda ser mais frequente entre homens, as brasileiras passaram a beber mais nos últimos anos. A pesquisa Vigitel 2018 mostra que, de 2010 a 2018, o índice de mulheres de 18 a 24 anos que bebem além do recomendado cresceu de 14,9% para 18%. Na faixa etária dos 35 aos 44 anos, esse índice passou de 10,9% para 14%.
As internações relacionadas ao consumo exagerado de álcool também chamam atenção: aumentaram 19% entre mulheres de 2010 a 2018, de 85.311 para 101.902. Entre os homens, esse índice teve uma ligeira queda de 1,15%.
A OMS classifica como consumo abusivo – ou beber pesado episódico (BPE) – o consumo de 60 gramas (4 doses) ou mais de álcool puro em ao menos uma ocasião no último mês. A ingestão é considerada moderada entre homens quando ela se limita a quatro doses em um único dia ou 14 doses por semana; entre mulheres, o limite seriam três doses por dia ou sete em uma semana.
O psiquiatra Arthur Guerra de Andrade, presidente da Cisa, explica que essa diferença se deve ao fato de que o organismo das mulheres é mais vulnerável aos efeitos do álcool. Por ter uma estrutura corporal menor, elas têm uma quantidade menor de água e de enzimas responsáveis por metabolizar a substância. Sendo assim, o álcool tende a ficar mais tempo – e em maior concentração – no corpo delas.
Para além de questões fisiológicas, há outros riscos associados. O relatório da Cisa traz uma pesquisa brasileira publicada em 2019 no Brazilian Journal of Psychiatry segundo a qual quase metade das mulheres que reportaram BPE também relataram ter relações sexuais desprotegidas – e esse hábito aumentou o risco de sexo sem camisinha em 1,5 vezes, de acordo com o estudo. Entre aquelas que tinham filhos ou estavam grávidas e abusavam do álcool, o risco de aborto era duas vezes mais alto.
Chama atenção também o consumo de bebida alcoólica entre mulheres idosas: 11,3% daquelas com idades entre 55 e 65 anos bebem além do recomendado, de acordo com o III Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira, realizado pela Fundação Oswaldo Cruz.
Sabe-se que a tolerância do corpo ao álcool diminui na terceira idade e pode trazer consequências como déficit cognitivo, maior risco de sofrer quedas e outras lesões, além de interação com medicamentos.
Adolescentes
O relatório da Cisa também destaca o consumo de álcool entre jovens no Brasil e no mundo. Um relatório global de 2015 da OPAS aponta que, entre estudantes com idades de 13 a 17 anos, mais de 20% das meninas e 28% dos meninos relataram já ter ficado bêbados ao menos uma vez na vida. No Brasil, a pesquisa PeNSE 2015, do IBGE, indica que por aqui esse índice vale para 26,9% das garotas e 27,5% dos garotos.
Isso é preocupante porque, nessa etapa da vida, o sistema nervoso central ainda está em desenvolvimento – esse processo só será concluído por volta dos 20 anos. Estudos também apontam que a ingestão de álcool antes dos 15 anos aumenta em quatro vezes o risco de dependência no futuro.