Se estivéssemos virando o ano de 1917/1918 hoje certamente teríamos muitas comemorações, folguedos e cururus em Cuiabá pela comemoração do seu aniversário de emancipação politica. Isso mesmo, até 1917 o aniversário de Cuiabá era comemorado no dia 01 de Janeiro. E estaríamos comemorando hoje não 301 anos, mas 292, porque a contagem antes tinha como marco de fundação  a elevação do Arraial pra Vila Real do Bom Jesus do Cuiabá em 1727 e não 1919.

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Segundo o grande historiador Doutor Carlos Alberto Rosa, o maior cuiabanista vivo, a data oficial da fundação de Cuiabá é 01/01/1727 e não 08/04/1719.

Na legislação portuguesa o status administrativo de uma localidade pra formalmente se tornar cidade era definido através da implantação de algumas instituições públicas:  o pelourinho que servia não só para castigar os escravos, mas para publicar as normas do ordenamento urbano e social, bandos, cartas régias e portarias; a criação da câmara municipal que representava a nobreza e a governança local, composta por homens “bons” ou de pureza de sangue (via de regra portugueses) e a edificação da Igreja Matriz.

Estas três instituições representavam no mundo português o poder local e o status administrativo da cidade, seria a grosso modo nos dias atuais a emancipação de um distrito que se torna município.

A vila foi oficializada inclusive com a presença do Capitão General de São Paulo Dom Rodrigo Cesar de Menezes que governou São Paulo a partir de Cuiabá durante 11 meses. Isso mesmo, Cuiabá foi capital de São Paulo por 11 meses. Então porque a mudança da data?

Dom Aquino Corrêa que foi arcebispo de Cuiabá e que assumiu o Governo do Estado entre 1918 e 1922 tinha como missão apaziguar as disputas pelo poder das elites regionais entre o sul (atual Mato Grosso do Sul) e o norte e evitar a divisão do Estado. Dom Aquino tentou integrar e pacificar as duas regiões através de um amplo programa cultural e educacional:  criou o Hino do Estado, o brasão oficial, visitou todas as cidades e mudou por decreto o dia do aniversário de Cuiabá para o dia 08 de abril de 1919,  pela Resolução n. 790, de agosto de 1918 e na oportunidade no seu governo comemorou o bicentenário da capital. E agradou ainda a igreja que comemorou no mesmo ano os 25 anos dos salesianos em Mato Grosso -1894/1919.

Foi uma boa jogada política do bispo para tentar pacificar os ânimos das intensas e sangrentas disputas divisionistas com um calendário de festas e comemorações tendo inclusive fundado no mesmo ano o Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, entre outras comemorações e publicações.

no dia 01 de janeiro chovia muito não dava pra comemorar e além de tudo o réveillon atrapalhava as festividades porque os cuiabanos passava o dia inteiro de ressaca das comemorações do ano novo

Havia outras alegações do bispo, que no dia 01 de janeiro chovia muito não dava pra comemorar e além de tudo o réveillon atrapalhava as festividades porque os cuiabanos passava o dia inteiro de ressaca das comemorações do ano novo. Alegou também a descoberta de uma suposta ata de criação de Cuiabá de 1719 que ninguém sabe e ninguém viu até hoje e uma citação esparsa na obra de Barbosa de Sá primeiro cronista de Cuiabá sobre essa fundação.

Fato é que a partir de então começou a se comemorar em 8 de abril o aniversário da capital, mesmo com a bronca dos historiadores.

As iniciativas de Dom Aquino em tese parecem não ter dado muito certo pois o mesmo terminou seu governo quase que saindo pela porta dos fundos da residência dos governadores cheio de problemas na administração, dívidas e conflitos políticos.

Mas não vejo assim, pois essas iniciativas culturais todas protelaram a divisão de Mato Grosso por pelo menos 58 anos, já que Mato Grosso do Sul só veio a se separar de fato em 1977, seu revisionismo histórico funcionou.

Havia uma época em que os governantes sabiam das consequências dos seus atos no futuro ao longo da história e manipulavam elas ao bel prazer de seus interesses politicos. Estamos vivendo no amente uma época de revisionismo histórico onde governantes tentam também mudar a história deliberadamente para preservar determinadas memórias e perpetuarem seus poderes.

Portanto, esse fenômeno de fakenews e revisionismo histórico que falamos tanto vem desde os tempos de antanho e não nasceu com as redes sociais como muitos afirmam.

Os reis egípcios acreditavam que a imortalidade era jamais serem esquecidos, por isso construíam catatumbas colossais e outros governantes criaram monumentos, lugares da memória, calendários e datas como Papa Gregório XII, que criou nosso calendário cristão em 1582 e o imperador romano Júlio César criou um mês em sua homenagem, julho.

Dom Aquino ficou para história por ter criado uma série de símbolos que até hoje representam nosso Estado. O que é estranho é um líder religioso assim fazer pois deveria crer que a imortalidade da alma se conquista pelas boas ações depois da morte.

Realmente a política parece  não ser coisa de Deus mesmo.   

*SUELME EVANGELISTA FERNANDES  é mestre em História e mestre em Antropologia; foi secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano de Cuiabá; e secretário de Estado de Agricultura Familiar de Mato Grosso. É suplente de deputado estadual por Mato Grosso pelo PPS.

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