“Um conto de Natal” é uma das obras mais conhecidas de Charles Dickens e uma das mais lembradas nesta época do ano, tendo inspirado inúmeros filmes, peças e histórias em quadrinhos. Na história, na véspera de Natal o solitário e avarento Scrooge é visitado por três espíritos: o dos Natais passados, o do Natal presente e o do Natal futuro. O impacto dessas revelações transforma o misantropo numa pessoa generosa e solidária.
No título da obra, a palavra conto tem a conotação de história fantasiosa, destinada a encantar e emocionar. Já a expressão “conto do vigário” significa uma burla, um enredo ilusório com a finalidade de retirar dinheiro de um incauto.
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Um conto – do vigário – sob a forma de Proposta de Emenda Constitucional de “fortalecimento da Federação”, esse foi o presente de Natal recebido pelos brasileiros, especialmente pelos mato-grossenses, mas cujo embrulho em papel cintilante ainda não foi completamente aberto, de modo que muitos ainda se iludem com a festiva embalagem, sem se dar conta do seu efetivo conteúdo.
Sim, leitor, estou, mais uma vez, a tratar do FEX – o Auxílio Financeiro de Fomento às Exportações.
Não, leitor, não estou reclamando de que o atual governo federal deixou de repassar ao estado de Mato Grosso e a seus municípios os recursos do FEX de 2019, estimados em R$ 500 milhões. Isso, infelizmente, não é novidade, mas a repetição do descaso de seus antecessores em 2013 e 2018. Mudaram governos e ministros, mas continuam o calote e a decepção.
Por certo, amigo leitor, não é necessário discorrer sobre a extrema importância de tais recursos para equilibrar as finanças públicas locais, permitindo o resgate de dívidas com fornecedores e servidores, a conclusão de obras em andamento e a programação de novos investimentos.
Ao contrário do que afirmam alguns desinformados, a reivindicação pelo pagamento do FEX não é um pedido de benesse a um Papai Noel do Planalto, nem tábua de salvação para gestores malcomportados. Trata-se de uma pálida compensação aos estados e municípios exportadores de produtos primários pela perda de arrecadação decorrente da isenção tributária instituída pela Lei Kandir em 1996 e depois pela Emenda Constitucional 42/2003.
Essa mesma Emenda introduziu o artigo 91 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, prevendo que a União entregaria aos Estados e ao Distrito Federal o montante definido em lei complementar, de acordo com critérios, prazos e condições nela determinados, podendo considerar as exportações de produtos primários e semielaborados, sua relação com as importações etc.
Conforme já denunciei em outros artigos, esse preceito constitucional completou dezesseis anos sem regulamentação. A inércia dos governos e do Congresso levou o estado do Pará a apresentar no Supremo Tribunal Federal a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão 25. Em 2016, o STF julgou procedente a ADO e determinou ao Congresso que regulamentasse o dispositivo no prazo de um ano, sob pena de o Tribunal de Contas da União fazê-lo. Após três anos, nada.
Agora, na PEC 188/2019, propõe-se um novo artigo 91-A com a seguinte redação: A transferência obrigatória de que trata o §3° do art. 20 da Constituição somente será implementada em favor dos entes federativos que renunciem a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundem ações judiciais, inclusive coletivas, ou recursos que tenham por objeto tema relacionado ao art. 91 deste ADCT, requerendo a extinção do respectivo processo com resolução do mérito,. O que significa isso?
Significa que para poder receber um direito – a transferência do §3° do art. 20, ou seja, parcela dos royalties do petróleo, inclusive do pré-sal – exige-se que estados e municípios renunciem aos direitos de compensação pelas exportações, já reconhecidos pelo STF!
Ora, o direito aos royalties existe desde a promulgação da Constituição em 1988, bem antes da Lei Kandir. Como o volume destes recursos tende a aumentar com a exploração do pré-sal, a PEC 188, em nome do fortalecimento da Federação, condiciona o novo aporte à renúncia a recursos de outra natureza! Ademais, os critérios de distribuição dos royalties são diferentes dos do FEX, no qual MT tem a maior parcela por ser o grande exportador de produtos primários e principal âncora da balança comercial do país.
Enquanto pudermos debater e esclarecer o tema, continuaremos a luta em defesa de MT.
A todos os leitores, desejo um Próspero Ano de 2020, com trabalho, saúde, paz e amor à democracia.
*LUIZ HENRIQUE LIMA é professor e Conselheiro Substituto interino do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT).
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