O presidente Jair Messias Bolsonaro sancionou, com 25 vetos, o pacote de medidas que torna mais rígidos o processo penal e a legislação contra crimes. O texto, que já havia sido aprovado pelo Congresso, foi sancionado nesta terça-feira (24) e publicado na madrugada desta quarta no Diário Oficial da União.

O texto contém parte do pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, e parte do projeto elaborado pela comissão de juristas coordenada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A proposta também conta com alterações promovidas por parlamentares.

O texto sancionado, que altera o Código Penal e outras leis de segurança pública, manteve o chamado juiz de garantias, mas vetou um dos trechos que trata desta figura jurídica. Também foram vetados, por exemplo, o trecho que trata de homicídio com arma de uso restrito, o que aumentava a pena de crimes cometidos pela internet e o que mudava a regra da progressão de pena.

A nova lei entra em vigor no dia 23 de janeiro de 2020. Neste dia, começam a valer os pontos sancionados. Os pontos vetados, se derrubados pelo Congresso, entram em vigor posteriormente.

De acordo com o Palácio do Planalto, os vetos do presidente foram aplicados “por razões de interesse público e inconstitucionalidade”.

No final da manhã desta quarta, o ministro Sérgio Moro se pronunciou sobre a sanção do projeto e, em nota, disse que foi contra a criação do juiz de garantias, mantida por Bolsonaro, mas que o texto final “contem avanços” (leia mais abaixo neste texto).

Bolsonaro sanciona, com vetos, projeto que endurece a legislação contra o crime

Veja, abaixo, trechos vetados por Bolsonaro:

Juiz de garantias

Bolsonaro manteve a criação da figura do juiz de garantias, mas vetou um dos pontos desse trecho.

Esse juiz passará a ser o responsável por acompanhar e autorizar etapas dentro do processo, mas não dará a sentença. O juiz de garantias não constava da proposta encaminhada por Sergio Moro – o ministro foi contra – nem havia sido incluído no texto de juristas coordenados por Alexandre de Moraes. Esta nova categoria de juiz foi proposta por parlamentares durante a discussão do projeto na Câmara.

O ponto vetado pelo presidente previa que presos em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória seriam encaminhados à presença de um juiz de garantias no prazo de 24 horas, para realização da audiência de custódia. O texto também vedava o uso de videoconferência nesses casos.

Caberá ao Juiz de Garantias atuar na fase da investigação e decidir, por exemplo, sobre a autorização de quebra dos dados resguardados por sigilo constitucional. Atualmente, o juiz que participa da fase de inquérito é o mesmo que determina a sentença posteriormente.

Homicídio com arma de uso restrito

Foi vetado o dispositivo previsto texto aprovado pelo Congresso que aumentava a pena do crime de homicídio quando o criminoso usa, na ação, arma de fogo de uso restrito ou proibido. A pena atual é de 6 a 20 anos. Pela proposta, passaria para 12 a 30 anos.

Crimes contra a honra

Foi vetado o dispositivo previsto no texto aprovado pelo Congresso que aumentava as penas dos crimes contra a honra (calúnia, difamação, injúria) cometidos na internet. O texto previa que a pena poderia ser aplicada até o triplo “se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores.”

Defesa de agentes de segurança

Bolsonaro vetou três pontos do trecho do projeto aprovado pelo Congresso que estabelecia que o Estado deveria disponibilizar defensores aos agentes de segurança investigados por fatos relacionados à atuação em serviço.

Os pontos vetados determinavam, por exemplo, que a defesa desses agentes deveria ser feita por defensor público e que, na ausência deste, um defensor deveria ser contratado e pago pela instituição à qual o agente está vinculado.

Identificação de perfil genético de criminosos

O presidente vetou alterações feitas pelo Congresso na Lei de Execução Penal. A lei original prevê que “os condenados por crime praticado, dolosamente e com violência de natureza grave contra pessoa”, por exemplo, “serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA”.

Um dos trechos vetados por Bolsonaro alterava esse texto da lei, tornando obrigatória também a coleta de DNA de condenados por “crime contra a vida, contra a liberdade sexual ou por crime sexual contra vulnerável”. Determinava ainda que a extração de amostra de DNA deveria ser feita “por ocasião do ingresso no estabelecimento prisional”, o que não consta da lei em vigor atualmente.

Ainda neste tema, o presidente vetou trecho do projeto que estabelecia que o DNA coletado de condenados “só poderá ser utilizado para o único e exclusivo fim de permitir a identificação do perfil genético” e proibia o uso da amostra para, por exemplo, busca familiar.

Bolsonaro vetou, ainda, o trecho que determinava o descarte da amostra biológica assim que o perfil genético fosse identificado, para impedir o seu uso para outros fins; e o que fixava que a coleta de DNA deveria ser feita por “perito oficial”.

Progressão de pena

Outro veto atinge o trecho do texto que trata da progressão do regime de pena dos condenados. O ponto vetado estabelecia que os condenados que cometem falta grave na prisão passariam a readquirir a condição de “bom comportamento” após um ano da falta “ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito”.

Improbidade praticada por agente público

Bolsonaro vetou alterações feitas pelo Congresso na lei que trata das sanções aplicáveis a agentes públicos no caso de enriquecimento ilícito.

O trecho vetado criava a possibilidade de o Ministério Público, nestes casos, celebrar acordo de não persecução cível, ou seja, para evitar processo na Justiça, e estabelecia os critérios para o acordo, como o integral ressarcimento do dano e o pagamento de multa.

Na justificativa do veto, Bolsonaro afirma que o dispositivo, ao determinar que caberá ao Ministério Público a celebração de acordo, contraria o interesse público e gera insegurança jurídica. Ainda na justificativa, o presidente aponta que excluir o ente público lesado da possibilidade de celebração desses acordos representa retrocesso.

Com o veto, fica inalterado o artigo 17 da lei, que diz que a ação judicial pela prática de ato de improbidade administrativa pode ser proposta pelo Ministério Público e/ou pessoa jurídica vítima do ato de improbidade.

Interceptação de conversas e escutas ambientais

Bolsonaro vetou pontos do trecho do projeto aprovado pelo Congresso que alterava a lei que trata de interceptação de conversas e escutas ambientais.

Um dos pontos vetados estabelecia que “a instalação do dispositivo de captação ambiental poderá ser realizada, quando necessária, por meio de operação policial disfarçada ou no período noturno, exceto na casa (…).”

A captação ambiental consiste em uma pessoa gravar a própria conversa privada com outra pessoa sem conhecimento da outra.

Na justificativa do veto, Bolsonaro apontou que o dispositivo, ao limitar o uso da prova obtida mediante a captação ambiental apenas pela defesa, contraria o interesse público uma vez que uma prova não deve ser considerada lícita ou ilícita unicamente em razão da parte que beneficiará.

O presidente apontou ainda que “o dispositivo vai de encontro à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”, que permite o uso desse tipo de gravação como prova em processo, mas não diferencia defesa e acusação.

O próprio relator do projeto anticrime na Câmara, deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), admitiu a possibilidade do veto desse ponto por Bolsonaro.

De acordo com ele, a palavra “defesa”, no texto, gera confusão ao se referir à defesa processual. De acordo com ele, o objetivo era dar sentido de “proteção da pessoa”, mas não ficou claro.

Outro ponto vetado por Bolsonaro neste tema é o que definia que “a captação ambiental feita por um dos interlocutores sem o prévio conhecimento da autoridade policial ou do Ministério Público poderá ser utilizada, em matéria de defesa, quando demonstrada a integridade da gravação”.

Defesa de policiais e bombeiros em inquéritos por uso de força letal

Bolsonaro vetou três alterações feitas pelo Congresso no Código de Processo Penal Militar. Esses trechos estabeleciam as situações em que policiais e bombeiros investigados em inquéritos sobre uso de força letal no exercício profissional podem ter um defensor.

Um dos pontos vetados previa que, havendo a necessidade de indicação de defensor para o agente, ele seria “preferencialmente” um defensor público e que, se não houver defensor público no local, que a União ou o estado deveria “disponibilizar profissional” para acompanhar o processo.

Outro ponto vetado determinava que a contratação de um defensor de fora dos quadros públicos deveria ser precedida de manifestação indicando a ausência de defensor público na região em que corre o inquérito.

O terceiro ponto vetado especificava que os custos com a atuação desse defensor de fora dos quadros públicos “ocorrerão por conta do orçamento próprio da instituição a que este esteja vinculado à época da ocorrência dos fatos investigados”.

Moro se manifesta

Em nota divulgada no final da manhã desta quarta, o ministro Sérgio Moro afirma que o texto sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro “contém avanços”.

Ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro  

O ministro, entretanto, apontou que defendeu o veto à proposta que cria a figura do juiz de garantias, que foi mantida por Bolsonaro.

“O Presidente da República acolheu vários vetos sugeridos pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O MJSP [Ministério da Justiça e Segurança Pública] se posicionou pelo veto ao juiz de garantias, principalmente, porque não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com apenas um juiz (40 por cento do total); e também se valeria para processos pendentes e para os tribunais superiores, além de outros problemas”, diz Moro na nota.

“De todo modo, o texto final sancionado pelo presidente contém avanços para a legislação anticrime no país”, completa a nota.

Também se manifestou nesta quarta contra o juiz de garantias o presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Fernando Mendes.

“A Ajufe, desde a discussão do pacote anticrime no Congresso, se posicionou contrária a criação da figura do juiz de garantias. Sem dúvida, o tema mais polêmico do projeto. Embora a Associação fosse contrária a esse novo instituto, uma vez incorporado ao Processo Penal, pela Lei 13.964/19, o importante agora é a sua regulamentação”, disse Mendes em nota.

De acordo com ele, a Justiça Federal será obrigada a “redesenhar a sua estrutura e redefinir a competência penal para tornar possível a implementação do juiz de garantias.” Ele afirma que a Ajufe vai “colaborar com essa agenda”.

A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) também divulgou posicionamento sobre a sanção da figura do “juiz de garantias”. A entidade vê a medida com “preocupação”, principalmente, em razão dos custos para a implementação.

“A AMB manifestou preocupação quanto à sanção desse instituto […], sobretudo em virtude dos custos relacionados à sua implementação e operacionalização, afirmando em seu pedido de veto o potencial prejuízo à efetividade da jurisdição penal”, diz documento assinado pela presidente da entidade, Renata Gil.

“No modelo atual, os magistrados já atuam de forma a controlar a legalidade do procedimento inquisitivo e salvaguardar os direitos e garantias fundamentais”, completa a nota.

O pacote anticrime vai à sanção

Itens sem alteração

Entre os itens do projeto aprovado pelo Congresso e sancionados por Bolsonaro sem qualquer tipo de alteração estão:

Legítima Defesa

Altera o Código Penal e passa a considerar a legítima defesa de agentes de segurança pública quando se “repele agressão ou risco de agressão a vítima mantida refém durante a prática de crimes”. O código entende como legítima defesa, inclusive para civis, se uma pessoa usa com moderação meios necessários para se defender ou proteger uma vítima, repelindo “injusta agressão, atual ou iminente”.

 

Tempo máximo de cumprimento da pena

Amplia o limite de tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade (prisão, impedimento do direito de ir e vir) de 30 para 40 anos. As penas privativas de liberdade são reclusão (crimes graves), detenção (crimes menos graves) e prisão simples (contravenções penais)

Comércio ilegal de arma de fogo

O projeto também endurece a pena nos casos de venda ilegal de arma. A punição atual é reclusão de quatro a oito anos e multa. A proposta aumenta para seis a 12 anos e multa. De acordo com o texto, esta pena valerá também para quem entregar arma, acessório ou munição, sem autorização, para policial disfarçado.

Cadeia de custódia 

Cria um conjunto de regras da chamada cadeia de custódia (ações para manter e documentar vestígios coletados em locais onde ocorreram crimes). As regras vão disciplinar a atuação das autoridades desde a coleta de material no local do crime até o descarte.

“Considera-se cadeia de custódia o conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte”, estabelece o texto.

Presos perigosos em presídios federais

Amplia o período de permanência de presos perigosos em presídios federais. A lei atual prevê prazo máximo de 360 dias. A proposta amplia o período para três anos, renováveis por mais três.

Presídios de segurança máxima

Estados e Distrito Federal poderão construir presídios de segurança máxima ou adaptar as instalações já existentes ao regime de segurança máxima.

 

‘Informante do bem’

Determina que a administração pública, direta ou indireta, manterá ouvidorias para garantir que “qualquer pessoa tenha o direito de relatar informações sobre crimes contra a administração pública, ilícitos administrativos ou quaisquer ações ou omissões lesivas ao interesse público”.

Confisco alargado de bens

Nos casos com pena máxima superior a 6 anos de prisão, a Justiça poderá decretar a perda dos bens obtidos a partir do crime. O bens recolhidos serão equivalentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e o valor da sua renda.

Decisões colegiadas em casos de organização criminosa

Amplia os crimes que podem ser julgados por varas criminais colegiadas. A possibilidade de decisão colegiada já existe em lei, para o caso de crimes de organização criminosa. A nova redação prevê o uso desse recurso também no caso do crime de associação criminosa armada.

Prescrição da pena

Inclui uma nova hipótese em que pode ser suspensa a contagem da prescrição de penas: quando houver recursos pendentes de julgamento em tribunais superiores. A prescrição ocorre quando termina o prazo para que a Justiça promova a punição contra um acusado de crime. A prescrição varia de acordo com o delito e a pena aplicada no caso concreto.

Saída temporária em caso de crime hediondo com morte

O texto proíbe a saída temporária da prisão aos condenados por crime hediondo que resultaram em morte. A saída temporária é um benefício concedido a quem cumpre pena em regime semiaberto, em datas específicas.

Delação premiada

Muda regras sobre delação premiada. Pelo texto, há a obrigação de o colaborador narrar apenas os atos ilícitos relacionados diretamente com os fatos investigados.

O texto prevê que nenhuma medida cautelar ou recebimento de denúncia poderá ser decretada ou apresentada apenas com as declarações do delator.

Determina também que o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração tiver sido apresentada sem que as autoridades responsáveis pela investigação criminal tivessem conhecimento prévio da infração.

Estabelece ainda que o acordo e os depoimentos do delator serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime. E estabelece que, se o acordo de colaboração não for confirmado, o celebrante (o MP ou polícia) não poderá utilizar as informações ou provas apresentadas para qualquer outra finalidade.

Tribunal do Júri

Recurso apresentado contra decisão condenatória do Tribunal do Júri a uma pena igual ou superior a 15 anos de reclusão não terá efeito suspensivo.

(Com Agência Brasil)

O Presidente Jair Bolsonaro