Orações apenas, não bastam. Adilson Batista, técnico do Cruzeiro, rezou junto com a torcida no Mineirão, antes da derrota para o Palmeiras, que marcou o inédito rebaixamento do clube, de 98 anos e oito milhões de torcedores, para a Série B.

– Eu também rezei junto, até me emocionei um pouquinho – disse o treinador.

– Nem o tamanho do Cruzeiro, nem a história, nem a camisa foram suficientes para segurar o Cruzeiro na Primeira Divisão – afirma Roger, comentarista do Grupo Globo.

Cruzeiro é rebaixado para a Série B com vandalismo da torcida na arquibancada do Mineirão

Cruzeiro é rebaixado para a Série B com vandalismo da torcida na arquibancada do Mineirão

A derrota não ficou só no campo. A história também vai registrar um jogo de futebol que se transformou em barbárie. Em um cenário de guerra, não há fé que resista.

– Estava tendo muita bomba e gás de pimenta, e foi na hora que eu corri. Eles falaram que a fé vai abandonar o Cruzeiro, jamais eu vou abandonar o Cruzeiro.

O Guilherme está sempre no Mineirão, com a palavra “Fé” pintada no corpo.

– A fé sempre vai continuar… Todos os jogos do Cruzeiro aqui no Mineirão, eu estarei lá.

Torcedor da "Fé" deixou o Mineirão após tumultos no jogo que marcou o rebaixamento do Cruzeiro — Foto: SporTV

Torcedor da “Fé” deixou o Mineirão após tumultos no jogo que marcou o rebaixamento do Cruzeiro — Foto: SporTV

Qual o tamanho do rombo? O Cruzeiro é tão desorganizado que a gente não tem noção desse número ainda, mas é perto de 700 milhões – Zezé Perrella

– As nossas contas, os nossos contratos, os nossos acordos, estão na mão da Polícia, na mão do Ministério Público, da imprensa, do Conselho Fiscal, dos conselheiros – explica Wagner Pires de Sá, presidente do Cruzeiro.

Wagner Pires de Sá demitiu Zezé Perrella do comando do futebol do Cruzeiro — Foto: Bruno Haddad

Wagner Pires de Sá demitiu Zezé Perrella do comando do futebol do Cruzeiro — Foto: Bruno Haddad

Cruzeiro nas páginas policiais virou rotina em 2019, com dirigentes e funcionários investigados, além de bastidores agitados na administração do clube. Na terça-feira, o presidente Wagner Pires de Sá afirmou que Zezé Perrella, ex-senador e presidente licenciado do Conselho Deliberativo do clube, assumiria definitivamente o controle do departamento de futebol.

– Na minha gestão, o gestor, agora daqui para frente, anteriormente foi o Itair (Machado), hoje será o Zezé Perrella. Até a título, ele não é remunerado, é dedicação que ele vai fazer. Ele falou, inclusive, que não acha ético continuar na presidência do conselheiro deliberativo e assumir definitivamente a gestão do futebol – garantiu o presidente do Cruzeiro

Dois dias depois, Zezé Perrella foi demitido.

– A maneira que ele agiu, de mandar uma mensagem pra mim. Eu acordei, vi no meu telefone, que eu não era mais o gesto de futebol do Cruzeiro.

– A maioria dos dirigentes não aprendem a entender que o futebol representa um grande bem social nesse país, mas como tal, ele precisa ser tratado com respeito, com profissionalismo, como amor, mas acima de tudo dentro da realidade – disse Piazza, ex-jogador do Cruzeiro e campeão da Copa de 1970 com a seleção brasileira.

Adilson Batista fala em reformular o Cruzeiro em 2020 para a disputa da Série B — Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

Adilson Batista fala em reformular o Cruzeiro em 2020 para a disputa da Série B — Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro

Nesse cenário, o Cruzeiro ainda não tem respostas sobre como vai montar um time para a próxima temporada. A princípio, o técnico Adilson Batista segue no comando.

– Nós vamos reformular, faz parte do processo, nós precisamos fazer isso. Vou me dedicar de corpo e alma para a gente começar uma nova etapa – falou o treinador em coletiva no último domingo.

Entre os medalhões do elenco, todos têm pelo menos mais um ano de contrato a cumprir, mas ninguém tem permanência garantida. Jogadores como Fábio e Thiago Neves chegaram a dizer que aceitariam reduzir os salários.

direção do clube fala em cortes de pelo menos 50% nos atuais R$ 15 milhões, que são gastos mensalmente com a folha de pagamento do futebol profissional. Valor que coloca o Cruzeiro como um dos times mais caros do Brasil.

Presidente Wagner Pires de Sá fala, em entrevista exclusiva, sobre o futuro do Cruzeiro

Presidente Wagner Pires de Sá fala, em entrevista exclusiva, sobre o futuro do Cruzeiro

– Nós não temos condição, nem recurso para manter o elenco com o custo que temos hoje. Vamos trazer jogador da base, que tem salários mais condizentes do brasileiro em geral – afirma Wagner Pires de Sá.

Viaturas da Polícia Civil na Sede do Cruzeiro — Foto: GloboEsporte.com

Viaturas da Polícia Civil na Sede do Cruzeiro — Foto: GloboEsporte.com

Os salários dos jogadores estão atrasados em dois meses. Além do décimo terceiro que também não foi pago. Um buraco que pode ficar ainda maior com o time na segunda divisão.

– A televisão é a receita que a gente sabe que vai cair com certeza, deve cair de R$ 70 milhões para cerca de R$ 30 (milhões), considerando antecipações deve cair pra R$ 10 (milhões). R$ 700 milhões, com menos receitas, certamente é um abismo complicado para administrar nesse próximo ano – explica o jornalista Rodrigo Capelo.

Como outros gigantes que viveram essa situação, fica a sensação de que há muito a ser feito para evitar que o Cruzeiro perca o rumo de sua história.

– Foram seis anos, sétimo ano em 2019, gastando tudo o que não podia gastar, dividas atrás de dividas e a conta chegou – Roger

– Se tiver uma mudança e se tiver uma renovação, consegue se levantar e tá em 2021 que é o ano do centenário de novo na série A, mas eu acho que tem que aprender muito com a crise – disse Samuel Rosa, cruzeirense e líder da Banda Skank.

– Não acho que vai perder a sua grandeza, o seu glamour o Cruzeiro por ter ido para a Segunda (Divisão). Dói, mas é caindo que se aprende a levantar – reforça Piazza.

E não há melhor lição para quem está começando a vida nas arquibancadas. O Gabriel é figurinha fácil nos jogos do Cruzeiro.

– A paixão da gente é tanta, você coloca ele no pescoço lá e nem sente – disse Edimar Oliveira, pai do garoto.

No ombros do pai, garoto vira símbolo da torcida do Cruzeiro em jogos no Mineirão

No ombros do pai, garoto vira símbolo da torcida do Cruzeiro em jogos no Mineirão

O menino virou bandeira. Em 2014, ele comemorou o título do Brasileirão. Aos nove anos, Gabriel coleciona camisas e outras conquistas. Está aprendendo que time grande pode até cair, mas nunca deixa de ser…

– Gigante!

(Globo Esporte)