BBB: bancadas do boi, da bala e da bíblia. A sigla é bastante conhecida e tende a ganhar mais fôlego nos próximos tempos. Fiquemos com esta última, começando com a hipótese: a bancada evangélica vai se fortalecer no governo Bolsonaro, na esteira do crescimento do evangelismo no Brasil.
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Um conjunto de elementos sinaliza nessa direção: vínculo forte que os evangélicos têm com os valores conservadores, matriz do ideário governamental; grande bancada parlamentar, que soma cerca de 200 deputados e 10 senadores; prestígio que o presidente confere aos evangélicos, frequentando cultos, recebendo bênçãos de pastores. Sua esposa, Michelle, é intérprete de libras nos cultos dominicais da Igreja Batista Atitude, no Rio. Já a cerimônia religiosa da união do casal foi oficiada pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus.
Que fenômenos explicam a expansão dos evangélicos no território, que hoje se aproximam de 24% da população, enquanto os católicos caem para a faixa dos 62%, de acordo com o IBGE? O que se sabe é que o evangelismo se apresenta como uma entidade viva, tocando diretamente no coração dos fiéis, renovando a liturgia, movimentando plateias, falando de problemas cotidianos e mostrando a trilha para os participantes usufruírem, desde já, os bens terrenos.
Desse modo, a pobreza pode ser revertida por atos e disposição de cada um. Já a Igreja Católica tem na pobreza um dos eixos de sua pregação. Ao tomar posse, o papa Francisco teria dito: “como eu gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres.” A menção aos pobres é referência a São Francisco de Assis, cuja vida foi dedicada à pobreza. O papa escolheu o nome de Francisco para evocar o santo. Sem esquecer que Cristo nasceu numa manjedoura.
Entre as teses sobre o evangelismo, particularmente sobre a vertente pentecostal, movimento de renovação cristã que dá ênfase à união com o Espírito Santo, há um texto interessante do pesquisador Brand Arenari. O foco da mensagem pentecostal é a promessa de integrar indivíduos à dinâmica central da sociedade, o que inclui as noções de inclusão, ascensão social e modelos de vida individuais. Escopo que encontra guarida na Teoria da Prosperidade, pela qual as pessoas podem ter acesso “às maravilhas do mundo moderno”, aqui e agora. “O sofrimento não tem mais valores positivos”, encontrados em outras doutrinas, aduz Brand.
Condição para se galgar o edifício da melhoria de vida é o seio familiar. No pentecostalismo, a família assume o papel de um “banco de créditos afetivos, morais e cognitivos”. Preservar a família é, portanto, um dos eixos do credo, com suas “células” que acompanham a dinâmica da vida de seus membros. Indivíduos disciplinados, orientados para o estudo e o trabalho, acabam encontrando a receita do “sucesso”.
Olhemos para os cárceres abarrotados. Quem leva aos presos a mensagem de esperança, de voltar a uma vida saudável, com acesso aos bens materiais, contanto que sigam preceitos e determinadas linhas de comportamento? As igrejas evangélicas. Sob essa crença, presos saem dos cárceres com uma bíblia na mão.
Projetemos esse cenário sobre a textura social e o terreno da política. A inferência é clara: núcleos populacionais, a partir das camadas pobres, essas que formam um anel em torno do centro das cidades, se identificam com um ideário próximo às suas necessidades materiais e espirituais. Antes do Reino dos Céus, os crentes têm de enfrentar as agruras do Reino terreno, que estão ali no bairro onde moram com suas famílias carentes.
Em suma, a receita do pentecostalismo é não se conformar com a pobreza. Daí o aceno a melhores dias. O discurso é: o indivíduo é dono do seu destino e, assim, pode direcionar sua vida. Sob esse preceito, é razoável prever que pentecostais e outras igrejas evangélicas se expandam em progressão geométrica enquanto a Igreja do papa Francisco sofre uma diminuição.
Dito isto, convém lembrar que o governo do presidente Bolsonaro se inclina na direção dos evangélicos. Apesar de católico, identifica-se melhor com essas igrejas. Ele já prometeu nomear para o STF um ministro “terrivelmente evangélico”. A bancada da bíblia, com seus fiéis, se infiltra nas malhas do Estado, fazendo emergir o debate: o Estado é ou não laico? Terá o evangelismo influência em demasia na condução do Estado brasileiro? Perguntas que vão abrir o debate.
*FRANCISCO GUADÊNCIO TORQUATO DO REGO é jornalista, professor titular da USP, consultor político e de comunicação
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