Resistente, perene, adaptável. Características de flores tropicais, mas que também poderiam descrever muito bem Aline*, uma mulher forte que encontrou no contato com a terra um estímulo para os dias que cumpre pena na Penitenciária Feminina Ana Maria do Couto May, em Cuiabá. Com o projeto RefloreSer, ela e cerca de 30 reeducandas aprendem a cultivar esses tipos de flores como uma terapia e também uma fonte de renda.

Por serem resistentes ao clima quente e possuírem ciclo de vida longo, as flores tropicais são bastante procuradas por floriculturas, empresas de decoração e de paisagismo. A intenção é comercializar, inicialmente, as espécies helicônias, alpíneas e bastão do imperador, que foram plantadas pelas recuperandas sob orientação de professores da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Universidade do Estado (Unemat). O projeto conta ainda com a parceria da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT), Conselho da Comunidade e Poder Judiciário.

Aos 52 anos de idade, Aline* classifica as aulas como maravilhosas. “É uma oportunidade de aprender um novo ofício, ter uma renda, e não voltar para o crime quando sair”. Há um ano e cinco meses cumprindo pena, ela fica empolgada ao contar que aprendeu a produzir uma flor híbrida, resultante de duas cores diferentes. “Fiquei muito feliz de ver como isso poderia acontecer, mexer com flores faz o tempo passar mais rápido e traz alegria”, acrescenta.

O momento também é uma oportunidade de trocar conhecimentos, como define a reeducanda Letícia*, que já aguarda o início de trabalho extramuros. “Acho muito importante aprender algo novo, e a cada dia trocamos aprendizado, umas sabem mais, outras menos, e assim vamos fazendo”. Há sete anos reclusa, a jovem de 31 anos de idade quer deixar o passado para trás. “Muitas aqui querem mudar de vida e o projeto é uma forma de conseguir isso”.

Além das flores tropicais de corte, a expectativa é plantar algumas folhagens que também estão sendo muito utilizadas em decorações e projetos de paisagismo. O coordenador técnico do RefloreSer, professor da UFMT Rafael Campagnol, iniciou ainda um módulo de plantação de flores em vasos. Alguns exemplos são as espécies mirabelis (belas da noite), petúnias e mini girassóis. “Em tudo que ensinamos percebemos o interesse delas, foi algo que me surpreendeu muito, tanto que já estamos avançados no conteúdo programático”.

A ideia de alternar as produções surgiu, principalmente, em função do tempo que as flores tropicais levam para atingir a condição de corte. Em média, são seis meses. “A floração se dá por rizoma, então depois que ela está pronta, não para mais, é perene. Mas iremos plantar outras opções de vasos que levam em torno de três meses para florescerem e que também podem ser comercializadas”, frisa a professora da Unemat, Celice Alexandre Silva, que é especialista em flores tropicais.

Remição de pena e autoestima

A participação no projeto concede às reeducandas remição de pena, na proporção de três dias trabalhados por um dia de redução. Para participar, é necessário frequentar as aulas da Escola Estadual Nova Chance, que fica dentro da unidade, e oferece disciplinas dos Ensinos Fundamental e Médio.

Segundo a diretora da Penitenciária, Maria Giselma da Silva, a iniciativa também representa o resgate da autoestima. “Para elas, é muito importante remir a pena, mas o principal é promover esta ressocialização e a humanização das pessoas no período em que estão privadas de liberdade. São momentos em que elas se sentem bem e acreditam que podem fazer algo construtivo”.

O superintendente Regional Leste do Sistema Penitenciário da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp-MT), Anderson Santana, frisa que as ações de reinserção contribuem para a não reincidência no crime. “Estas oportunidades representam muito para quem está cumprindo pena e realmente quer mudar, por isso temos desenvolvido cada vez mais projetos nesse sentido”.

As reeducandas também aprendem sobre o plantio de cactos e suculentas, que são opções de plantas de fácil manutenção e utilizadas para decorar ambientes residenciais e comerciais. “Estamos fazendo experimentações, testando e diversificando a produção, pois temos tido resultados excelentes”, explica o professor Rafael Campagnol.

Para conseguir desenvolver o projeto, foi montada uma estufa dentro da unidade com dois tipos de tela de sombreamento: 65% (indicada para cultivo de flores delicadas) e 35% (folhagens e demais flores). O plantio começou, efetivamente, há cerca de dois meses, após toda a estruturação necessária do espaço.