Quando se fala em “questão racial negra” no Brasil, é de bom-tom referenciar-se a duas categorias, ou, dois conceitos-chaves – consciência negra e diversidade de raças – que são elementos essenciais para se pensar, historicamente, a constituição do povo brasileiro. Consciência, enquanto um conjunto de arquétipos, dos quais se permite refletir sobre o papel do negro na sociedade, e diversidade de raças, enquanto componentes étnico-sociais que forma nossos corpos, nossas experiencias e “determina” a forma como estabelece as noções de pertencimento étnico em nossa sociedade.
Diferentes de outros países, como Estados Unidos e na Europa, o racismo no Brasil é uma experiência particular. O país esteve imerso, por quase 400 anos, dentro de legislações que transformavam indivíduos em escravos. Porém, nunca houve uma Lei pós-abolição que dissesse que essas pessoas eram inferiores ou que colocasse o negro em uma situação de exclusão. Essa suavização em relação a condição do negro pós-abolição permitiu-se construir um imaginário social e uma falsa percepção de haver no país a ideia de “democracia racial”.
O conceito ideológico da democracia racial, discutido e contestado amplamente, parte-se da ideia de que não existe uma discriminação oficial, logo então, o Estado não discrimina ninguém. O que é inverídico, pois os mecanismos e dispositivos de silenciamento do corpo negro é uma realidade do cotidiano brasileiro. O racismo, constitui-se, enquanto um componente estrutural, que determina e orienta a constituição de políticas públicas, a separação e o encarceramento seletivo de corpos negros, estrutura as narrativas literárias e fundamenta os discursos “humanistas”.
O racismo é praticado, por meio dos mecanismos de controle racial, e esses mecanismos são acionados, quando se tem o tratamento diferenciado do negro em relação aos brancos nas esferas públicas e nos espaços institucionais público-privados.
Quando os corpos negros tem: a menor escolaridade, o menor acesso a saúde, o menor salário, menor participação em cargos de poder, maior taxa de desemprego, são os que morrem mais cedo e o que tem o maior índice de encarceramento no país. Tem-se aqui, o que alguns autores chamam de necropolíticas, ou políticas de mortes, que produz verdadeiros “genocídios de corpos negros” em nossa sociedade.
Desta forma, a crítica em relação a ideia de democracia racial, se sustenta ao se verificar que o conjunto de práticas racistas existentes, transmite a ideia de controle, de supervisiomento dos corpos negros em determinados espaços. E para esses mecanismos de silenciamento, os corpos negros – marginalizados e periféricos – transmite e carrega consigo as marcas indeléveis do seu passado histórico, da sua herança escravista.
*RODRIGUES DE AMORIM SOUZA é cientista social e integrante do Núcleo Interinstitucional de Estudos da Violência e Cidadania (NIEVCI/UFMT).