É consensual o princípio de que um conjunto aleatório de palavras ou mesmo de frases não constitui um texto e, portanto, não pode funcionar como ação de linguagem. Um conjunto de palavras, para ser um texto, para ser interpretável e, assim, poder funcionar como uma atividade de linguagem, precisa apresentar algumas propriedades, ou seja, estar provido de algumas características específicas, fundamentais para a expressão dos sentidos e das intenções pretendidos. Entre tais propriedades, destacam-se coesão e coerência.

A primeira tem a ver com a articulação, ou seja, com os nexos criados entre os vários segmentos do texto, de modo a prover o texto da necessária continuidade, que, por sua vez, integrando esses vários segmentos, promove a unidade semântica que torna o texto interpretável. A segunda, isto é, a coerência, tem a ver, exatamente, com essa ‘unidade semântica’ que resulta daquela continuidade, fruto dos diferentes elos ou nexos criados e sinalizados.

Por essas primeiras considerações, já se pode perceber a íntima relação entre coesão e coerência: uma resultando da outra; uma concorrendo para a outra, de modo a parecerem interdependentes e indissociáveis.

Pensar, portanto, em estruturar um texto, é pensar em deixar cada uma de suas partes – palavras, períodos, parágrafos, blocos supraparagráficos – ligadas entre si. Dessa ligação, como vimos, resulta a continuidade e a unidade requeridas para que a expressão dos sentidos aconteça.

Mas, que passos assumir para compor um texto bem estruturado, com coesão e coerência, capaz de funcionar comunicativamente numa situação de interação? Essa pergunta não pode ser respondida numa perspectiva muito geral. Tudo é bastante complexo e exige algumas definições prévias.

É preciso saber em que gênero se vai moldar o texto; qual o propósito comunicativo em jogo; quem são os interlocutores; em que suporte o texto vai circular, por exemplo. Mas, suponhamos que se trata de um texto do gênero ‘comentário opinativo’, algo semelhante ao que acontece nos editoriais. Vejamos, nesse caso, que providências tomar.

1. A primeira medida é selecionar o tema e, dentro desse, a ideia central que se pretende desenvolver. Articulada a essa ideia central, viria a necessidade de definir os subtópicos, o que, necessariamente, resultará naquelas requisitadas continuidade e unidade. Evidentemente, o entendimento desse tema seria previamente explorado, uma vez que é impossível escrever sobre o que não se conhece.

Esses cuidados correspondem à etapa do planejamento, da preparação propriamente, que merece todo cuidado, pois o que se segue tem fundamento nessas primeiras providências. A elaboração de um ‘rascunho’ pode funcionar como tática para fazer dessa etapa uma espécie de ‘hipótese de elaboração’, o que permite as eventuais reformulações que, a cada análise, se vai definindo.

2. Em seguida, é o momento de desenvolver cada um dos subtópicos escolhidos. Sempre atento àquela articulação entre um tópico e outro. Para isso, convém lembrar que existem recursos morfossintáticos e semânticos que funcionam como elementos de ligação, além de certas estratégias de arrumação e apresentação formal do texto. Merecem destaque, por exemplo:

 

  • a repetição de palavras (que funciona como marca da continuidade tópica);
  • as retomadas lexicais (quando uma palavra substitui uma outra anterior; por exemplo, os sinônimos ou os hiperônimos – que funcionam como ‘anáforas’, garantindo, sobretudo, a continuidade referencial do texto, como em ‘o gato’ retomado em ‘o bichano’ ou ‘o animal’);
  • as retomadas pronominais (que também promovem a continuidade referencial do texto);
  • a contiguidade semântica entre as palavras (que constitui uma significativa marca da concentração temática do texto – por exemplo, em um texto sobre ‘leitura’, a ocorrência de palavras, como texto, leitor, livro, literatura, ideias, tema, competência, compreensão, interpretação e tantas outras, funciona como uma valiosa pista da centralização do texto em um determinado tema;
  • os diferentes conectivos – preposições, conjunções e respectivas locuções – funcionam como articuladores, estabelecendo nexos sintático-semânticos entre pequenos ou grandes segmentos do texto, como orações, períodos, parágrafos, blocos supraparagráficos; também podem ser referidas muitas expressões adverbiais, que marcam a distribuição das informações na sequência do texto.

 

3. Quanto a certas estratégias de arrumação e apresentação formal do texto referidas atrás, vale lembrar os recursos de pôr em destaque certas passagens do texto, como a distribuição das ideias em itens distintos; a numeração desses itens ou a sua marcação com o uso de diversos meios ou sinais; a própria partição do texto em parágrafos; o destaque ao primeiro e ao último parágrafos do texto, como pontos de abertura e de fechamento do texto, para lembrar apenas esses recursos.

4. Uma medida sumamente importante é a cuidadosa análise ou avaliação de como se está conseguindo alcançar os objetivos do texto. Ou seja, a postura de ‘rever’ o texto pode e deve acontecer depois e durante a própria elaboração do texto, ainda que cada um encontre jeitos diferentes de voltar ao texto e avaliar o que está posto. Por sinal, a revisão do texto é uma estratégia básica para que se consiga um crescente sucesso em nossas atividades de escrever.

5. Vale lembrar – como fechamento dessas ideias – o fato de escrever é resultado de prática continuada, seguida, persistente, preparada, planejada, revista e feita, quase sempre, em mais de uma versão. Nessa empreitada, o estudo do léxico é fundamental para que se obtenha a relevância e a flexibilidade de ideias que deve marcar todo texto coerente.

escola, por muitas razões que não cabe aqui analisar, ainda concede um espaço insuficiente ao estudo do léxico; ainda concede uma quase hegemonia ao estudo da metalinguagem gramatical; ainda não disponibiliza tempo para atividades de leitura e, sobretudo, de ‘produção de texto’. O resultado dessas distorções transparece na constatada inabilidade de muitos jovens – mesmo no final do ensino médio – para escrever um texto relevante, com coesão e coerência.

*IRANDÉ ANTUNES  é graduada em línguas neolatinas pela Universidade Federal do Ceará, fez especialização em linguística pela Universidade Federal de Pernambuco e é doutora em linguística pela Universidade de Lisboa. É autora de Aspectos da coesão do texto; Aula de português – encontro e interação; Lutar com palavras: coesão & coerência; Muito além da gramática: por um ensino de línguas sem pedras no caminho; Língua texto e ensino – outra escola possível; Território das palavras.

CONTATO:    www.facebook.com/irande.antunes