Ana Terra é uma das principais personagens criada pela mente prodigiosa do escritor Érico Veríssimo, no livro O Tempo e o Vento. Ela  personifica a teimosia feminina que sobrevive, a duras penas,  num universo  machista. Vivia com sua família composta de pais e dois irmãos, no ermo interior gaúcho. Por lá apareceu um bugre que foi morto pelo seu pai e irmãos por tê-la engravidado. O certo é que, posteriormente, a sua família veio a ser liquidada pelos castelhanos e ela fugiu com o seu filho para outro lugar, onde tornou-se parteira. Toda vez que nascia uma mulher, ela exclamava: nasce mais uma escrava!

A situação mudou muito desde os primórdios da colonização do Rio Grande do Sul, quando ocorreu o episódio acima. Entretanto,  ainda hoje, as mulheres  padecem com o flagelo dos fracassos, frustrações e a autoafirmação masculina. Boa parte delas é desrespeitada, desprezada,  maltratada e espancada ou simplesmente liquidada pela fúria masculina.

O escritor Calos Fuentes, no seu livro Adão e o Eden, pag. 84, Porto Editora – 2012 –  trata a questão aqui relatada  da seguinte forma: “É penoso ver homens que foram  vigorosos, argumentativos, até brigões, reduzidos à mudez e à cadeira de rodas, dependendo das mulheres que em vida maltratam, enganaram, desprezaram – e de quem agora dependem para comer, urinar, dormir e serem trazidos e levados. Não seria melhor morrer a chegar a este extremo de humilhação?…. que preferia  morrer com pleno uso das minhas faculdades, forte e ativo, sem nunca ser objeto de esquecimento ou de lástima… limitando-se agora babar-se e a dizer asneiras num cesto de vime”.

Idosas do Centro de Convivência Dona Zazinha, em Feira de Santana

Um fato, entretanto, é induvidoso: as mulheres – donas de casa, avental sem rosto (C.F.) – sobrevivem normalmente aos homens que não cuidam o suficiente da saúde e morrem antes delas. É comum, nos locais de férias, aparecer ônibus cheio de mulheres, normalmente viúvas, que estão passeando e curtindo a vida, pois os seus verdugos já se foram, após ficarem doentes e terem dado a elas um grande trabalho. Eis aí uma doce vingança: a sobrevivência! É a libertação tão desejada de tantas, incontáveis e penosas obrigações. E, sobretudo, a conquista desse bem desejado: a liberdade, que foi suprimida com o solene compromisso: – até que a morte os separe.

E algumas delas têm o discernimento da condição em que vivem, com afirmação como esta: eu somente vou pintar a casa depois que o seu pai morrer, porque assim eu pinto com a cor que eu quero!

A condição feminina tem sido plasmada de forma lenta, gradual e progressiva. Boa parte das mulheres já são donas do seu destino. O trabalho as libertou do jugo masculino, via independência econômica. O chamado segundo sexo já conquistou parte do seu lugar ao sol e moureja ombro a ombro com os homens na procura de um mundo melhor, mais digno, mais humano e mais solidário.

P.S. – Esse texto é dedicado à minha mãe, já falecida, que lutou bravamente para que as minhas irmãs estudassem, fossem independentes e não se submetessem à tirania masculina.

RENATO GOMES NERY é advogado em Cuiabá e ex-presidente da Seccional de Mato Grosso da OAB. 

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