Passei o sábado inteiro entre escrever ou não o artigo com este tema. Não sei se é uma boa ideia me expor, mas quero dar voz a outras mulheres que passam diariamente por situações de constrangimento. No meu caso, ainda não acredito que um homem tenha me dito questões de cunho estritamente pessoal: 24 centímetros (cm) fazem sentido pra você, Rose?
Não, não faz, não tinha ideia do que ele estava tentando dizer, mas pressentia que não era boa coisa, ainda mais naquele horário, com aquela conversa mole de ter sonhado comigo. “Porque as mulheres ficam comigo exclusivamente por causa dos meus 24 cm”. (em tom de desabafo) Era meia-noite, eu estava morrendo de sono e fui pega desprevenida: o pênis dele é o dobro da média brasileira.
“Ah, é? Nunca pesquisei sobre isso”, respondi (e nunca pesquisei mesmo). Estou rindo agora, porque o diálogo parece surreal. Sexta-feira à noite, pós trabalho e treino de natação, estava exausta e dormi no sofá. Acordei assustada, olhei no celular e havia mensagens. Fui querer ser educada, quando me vi envolvida nessa conversa estranha, mas, resumindo, ele queria sair comigo e conhecer a “pequena Rose”. (sim, disse bem assim)
Eu não sei se esse tipo de conversa dá certo com outras mulheres, vai ver sou alguém muito conservadora e reservada, porém quero frisar o quanto essa situação foi desconfortável. Ser abordada tão diretamente me fez sentir uma vagina ambulante! Claro que ser chamada de linda, irresistível, sexy, olhar enigmático e que pareço mais jovem infla o ego, porque tenho 41 anos!
Agora, me digam, qual a graça de alguém dizer na sua cara que quer fazer sexo com você assim, do nada? Porque me acha linda e bateu tesão? Vem cá, quando foi que lhe dei essa intimidade? Que eu me lembre apenas sorri e demonstrei gentileza, nada além do trivial. O mais intrigante é que esta semana me encontrei por acaso com este amigo, que me disse, todo feliz, “fui morar com a primeira-dama”, ou seja, casou!
Se a intenção era me despertar interesse, desculpe, penso que tenho vontade de correr meia maratona ao invés de aceitar um convite para sairmos juntos e conhecer seu pênis gigante. Na verdade, você me deixou totalmente apavorada. Claro que gosto de sexo, fui casada 12 anos, namorei outros tantos, mas antes de me deitar com alguém busco saber que tipo de gente é, quais seus valores, se temos afinidades, enfim, esse tipo de coisa. O resto acontece naturalmente (ou não, paciência).
Outra coisa, não é legal um homem comprometido me abordar, porque se está infeliz e insatisfeito resolva sua vida primeira, depois me procure. Se não é isso, sinto em lhe informar, não sou um pedaço de carne em exposição para você ‘pegar e comer’. Antes de me abordar, queira saber de onde eu vim, que tipo de música eu gosto, demonstre interesse pela minha vida, fale de filosofia, seja gentil. Ah, seja solteiro.
Certa vez me cadastrei no Tinder (aplicativo de relacionamento) onde fiquei apenas por 24 horas. Após abordagens estranhas – e não tenho paciência pra isso -, um cara não parava de me dizer que queria sair comigo. Eram duas da tarde de uma segunda-feira: “O que você está fazendo agora, gata?”. Oi, seu idiota, trabalhando! Não vou à casa de estranhos, isso é uma regra minha. “Mas se você vir aqui não seremos mais estranhos”. Você tem problema cognitivo ou não entende que não é não?
Sou muito arisca, porque o meu primeiro assédio ocorreu aos 6 anos de idade. Homens de várias idades sempre me cortejaram ao longo da vida. Então, adotei uma tática meio instintiva de botar todos eles pra correr. Uma vez no trabalho, comecei a receber e-mails obscenos de um cara casado, me convidando pra sair.
“Você vai ameaçar expor esse desgraçado”. Palavras da psicóloga. Como ele era meu chefe, era muito complicado. Olhei várias vezes para o espelho e ensaiei o que ia dizer. Quando chegou uma nova mensagem elogiando meu cabelo, minha boca sensual, meu jeito de menina, chamei o cara lá fora, no corredor, e gritei: “Eu não vou sair com você, entendeu?! Vou denunciar você!”. Felizmente ele parou.
Em outra ocasião, resolvi aceitar o pedido de namoro de um colega de trabalho que há muito tempo me cortejava, tinha se separado recentemente. O problema é que eu era claramente um troféu para ele, um homem mais velho. Espalhou para todo mundo que ele tinha se separado por mim, me colocando numa situação chata. “Estou pegando a Rose Domingues”. Até hoje essa expressão que ele usou me irrita. Não, não foi elogio.
Nesta semana, em que se falou muito sobre a reação de homens brasileiros machistas sobre a ativista adolescente, Greta Thunberg, 16 anos, pensei que há uma grande massa masculina no Brasil que não percebeu que os tempos mudaram. Nós mulheres queremos ser respeitadas e apreciadas principalmente por quem somos, pelo que pensamos e isso inclui o momento da abordagem na paquera. Entendam isso.
Dizer que eu sou “gostosa” tem hora, lugar, e é uma construção! Que direito um cara tem de dizer que teve um sonho erótico comigo e ficou com vontade de fazer sexo porque eu sou linda? Oi? De que planeta paralelo você surgiu? Não, isso não foi elogio! Foi constrangedor, foi chato, inacreditável.
Desculpe a sinceridade, prefiro um pinto menos avantajado desde que no pacote haja uma dose extra de bom senso, gentileza e resiliência. Porque conquistar uma mulher demanda tempo e paciência. Não se faz de qualquer jeito, não se faz ostentando centímetros extras.
*ROSE DOMINGUES REIS é jornalista graduada pela UFMT, especialista em Liderança e Coaching – MBA pela Unic, com formação em Psicologia Positiva pelo Instituto de Psicologia Positiva e Comportamento (IPPC) de São Paulo.
E-MAIL: rosidomingues@gmail.com