É surpreendente a capacidade camaleônica de certas propostas. De acordo com a conjuntura, apresentam-se com roupagem conservadora ou revolucionária. Sem mudar a sua essência, tentam se apresentar de modo a satisfazer o pensamento dominante em determinada época ou sociedade. Como o camaleão, essa transmutação externa não intenta apenas a sobrevivência, mas também a iludir seus alvos potenciais e maximizar o número de vítimas.
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Em 2019, completam-se 80 anos do início das operações da infame Aktion T-4 pelos nazistas na Alemanha. O programa era executado pela cinicamente denominada Fundação de Caridade para Cuidados Institucionais, diretamente subordinada ao gabinete de Hitler.
A Aktion T-4 consistia no assassinato em massa de crianças com deficiências físicas ou mentais, mediante injeções letais ministradas em clínicas. O programa era tão odioso que, mesmo sob a implacável ditadura nazista, provocou uma reação popular que levou a sua suspensão em outubro de 1941, tendo continuado clandestinamente nos campos de concentração.
Oficialmente, a Aktion T-4 matou 70.273 pessoas, de recém-nascidos a adolescentes. Todavia, no julgamento de crimes do nazismo em Nuremberg, estimou-se em 275 mil o número total de vítimas.
Eram duas as justificativas dos nazistas.
Hoje não se fala mais em eugenia ou economia de guerra, mas em saúde psíquica da mulher, estado de necessidade e direito de escolha
Pessoas com deficiências “incuráveis” mereciam a morte por misericórdia. Isso se aplicava a cegueira, epilepsia, doenças mentais e a todos que tivessem uma Lebensunwertes Leben, ou seja, “uma vida indigna de ser vivida”. Esse pensamento se alinhava com as teses da eugenia e do aprimoramento da raça, que nos Estados Unidos tinham como adepta a fundadora do Planned Parenthood, principal rede de clínicas de aborto do mundo.
Além disso, era alto o custo do tratamento dessas pessoas, algumas exigindo cuidados e medicamentos durante toda a vida. Num país em guerra, todo o esforço econômico deveria ser destinado ao equipamento das Forças Armadas, não podendo ser desperdiçado com pessoas incapazes de combater.
Atualmente, o Supremo Tribunal Federal examina a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.881 que, entre outras questões, pretende autorizar a prática de aborto para as gestantes infectadas pelo vírus zika. Isso porque existe a possibilidade de alguns bebês nascerem com doenças neurológicas, como a microcefalia.
Além da ADI 5.881, há outras tentativas em curso de fazer o STF liberar novas hipóteses de aborto, distorcendo a Constituição e desrespeitando o Congresso Nacional, como a ADPF 442.
Não tenho dúvida de que, se entre nós estivessem, os executores da Aktion T-4 apoiariam entusiasticamente o pleito da ADI 5.881. E não se trata de retórica. É que na primeira metade do século XX inexistia a possibilidade que hoje temos de realizar sofisticados exames pré-natais, capazes de identificar o sexo do bebê, seu tipo sanguíneo, formação de órgãos, doenças cromossômicas, cardíacas etc. Assim, os nazistas tinham que esperar a criança primeiro nascer para ver se tinha alguma deficiência e então assassiná-la. Agora, para os defensores da ADI 5.881, basta constatar que a gestante está infectada com o vírus zika e que há alguma probabilidade de o bebê nascer doente e já se pode resolver o potencial problema impedindo o nascimento mediante aborto.
Hoje não se fala mais em eugenia ou economia de guerra, mas em saúde psíquica da mulher, estado de necessidade e direito de escolha.
Em países que dispõem de uma legislação permissiva em relação ao aborto, o sonho da Aktion T-4 se tornou real. No Reino Unido, por exemplo, de acordo com o Relatório Anual de 2010 do The National Down Syndrome Cytogenetic Register, disponível na internet, foram abortadas 91% das gestações em que foi feito o diagnóstico pré-natal de Síndrome de Down. Ou seja, noventa e um por cento de futuros portadores de síndrome de Down foram impedidos de nascer!
Segundo dizem expressamente os proponentes da ADI 5.581, o direito à vida não é absoluto para o nascituro. Os nazistas da Aktion T-4 concordariam. E você, prezado leitor?
*LUIZ HENRIQUE LIMA é professor, Conselheiro Substituto e vice-presidente interino do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT)
Twitter: https://twitter.com/luizhlima