Eduardo Galeano conta que um homem da aldeia de Negua, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado, lá do alto, a vida humana. E disse que somos um mar de fogueirinhas.

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-Aos que vereiam

— O mundo é isso — revelou —. Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche o ar de chispas. Alguns fogos, fogos bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem pestanejar, e quem chegar perto pega fogo.

Ah! Leitor amigo, nós às vezes somos os fogos bobos! Que seguem sempre os outros, que mantêm sempre a mesma forma de fazer, mesmo não tendo composições/alegrias; as mesmas ideias, os mesmos gestos… e instrumentos obsoletos.

Escondidos no verbalismo, vazio do pensamento; no formalismo, mentira da incompetência; no beletrismo, cinismo da descrença. Nas palavras ocas e nas ações de “mentirinha”… Muitas vezes, o que é muito triste, afastamos a ação do conhecimento.

Rudolf Rocker, autor de “Dom Quixote”

Como foi alertado por Rudolf Rocker, em comemoração ao terceiro centenário de Dom Quixote: “A ação foi relegada ao esquecimento pelo conhecimento: aprendemos, graças a Deus, a diferenciar os gigantes dos moinhos de vento, mas se tu não ressuscitas nós apodreceremos no conhecimento: saberemos tudo mas não saberemos nada… Nossos cérebros se tornarão cada vez mais perfeitos; contudo a força dos músculos se irá extinguindo, nossos braços se tornarão impotentes” (sic).

Nós, quando fogos bobos, somos parciais, intransigentes, facciosos, medíocres; não somos capazes de romper com nossospróprios contornos e dirigir o olhar para outras possibilidades. Como também avivou Pessoa (Alberto Caeiro): “Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu.”

Enquanto fogos bobos impedimos que as coisas aconteçam, que a gente exista – ultrapassa viver – com o mundo e no mundo. Ademais, é o ser humano, somente ele, capaz de transcender.

Pouco estamos fazendo pelo mundo, pelas gentes, por nós. Sim! Viver é perigoso, a vida é mistério (Guimarães Rosa). Mas é doce morrer nesse mar de lembrar e nunca esquecer. Se eu tivesse mais alma pra dar, eu daria, isso pra mim é viver…”

*EMANUEL FILARTIGA ESCALANTE RIBEIRO  é Promotor de Justiça em Mato Grosso.

emanuel.ribeiro@mpmt.mp.br