O Departamento Estadual de Trânsito de Mato Grosso (Detran) publicou uma portaria que dispõe sobre a nota fiscal a ser considerada no ato de registro e emplacamento de veículos. A legislação além de considerar que a venda do veículo novo deverá ser realizada somente pelo fabricante ou pelo revendedor autorizado pela fábrica, o concessionário, estabeleceu critérios acerca do registro.

“Somente será considerada como nota fiscal válida, para fins de registro e emplacamento de veículo, as notas faturadas por pessoa jurídica com CNPJ idêntico ao CNPJ informado pelo fabricante na Base de Índice Nacional – BIN, correspondente ao campo “CNPJ de Faturamento”, afirma trecho da portaria.

O documento ainda ressalta que só serão aceitas as variações de pessoa jurídica responsável pela emissão da nota fiscal e CNPJ indicado na BIN em casos de modificação entre a matriz e a filial. A nova regra já está em vigor. Essa resolução vem ao encontro do interesse dos gestores públicos justamente por inibir tentativas de fraudes de garagistas para participarem em licitações de compra de veículos.

A lista de pessoas e empresas que possuem benefícios na compra de veículos em todo o Brasil é extensa, pessoas com deficiência ou necessidades especiais e algumas empresas, como por exemplo, as que trabalham com locação de veículos e principalmente as que tem no veículo um incremento da sua atividade. Em Mato Grosso, o benefício fiscal pode chegar a 20%.

Como é interesse do Estado fomentar a atividade comercial, concede-se o benefício fiscal justamente no intuito do novo bem compor o ativo fixo ou patrimônio e seja aplicado na atividade da empresa. Em contrapartida, são fixados prazos para que a empresa não venda o veículo, sob pena de pagamento da diferença do ICMS, garantindo assim, que o benefício atenda ao fim que foi criado, bem como torne a competividade justa com os outros estabelecimentos de revenda de veículos.

Em abril de 2019, o Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso (TCE-MT) divulgou o Pregão Eletrônico 01/2019, do processo administrativo 16.529-8/2018, com o objeto de aquisição de 11 veículos “zero quilômetro”, e chamou a atenção do órgão o fato de que, das sete empresas que apresentaram propostas, apenas duas eram concessionárias de veículos, aptas a venderem veículos novos em paridade com as fábricas, obedecendo assim à Lei Ferrari, um dos requisitos especificamente exigidos no Edital.

Mesmo não sendo uma representante de fábrica, a empresa vencedora que apresentou o menor preço foi a ‘Neves Veículos Eireli EPP’, localizada no município de Inhumas, em Goiás. Com reportagem veiculada à mesma em 2017, apurou-se que se trata de uma garagem de vendas de carros alvo de investigação em Goiás pela prática ilícita na compra e venda de veículos.

A garagem adquire os veículos por meio de terceiros com descontos de 15% a 20% de impostos e repassa os mesmos automóveis com preços menores para consumidores finais e neste caso, para órgãos públicos por meio das licitações.

‘Neves Veículos’ e mais duas empresas: ‘Celsinho Automóveis’ e ‘Premium Locadora de Veículos’ estão sob suspeita de sonegação de mais de R$ 3 milhões em impostos. Os donos foram indiciados pela justiça de Goiás por falsidade ideológica, associação criminosa e ainda segue investigação para apurar se há indícios de lavagem de dinheiro.

A fraude utiliza de terceiros que fazem jus ao benefício do ICMS na compra para ativo fixo, as garagistas compram os veículos em nome destes terceiros, não emplacam, participam da licitação e, por terem o benefício fiscal, ofertam menor preço, logrando-se vencedores.

Após o transcurso de todas as fases do processo licitatório, para a realização do pagamento as empresas devem apresentar a nota fiscal de venda do veículo, e somente nesta fase se identifica a fraude. Ao receber a nota fiscal, confirma-se que o veículo não é considerado como “novo”, quando o primeiro emplacamento é feito da fabricante ou revendedora para o órgão que efetivou a compra, adquirido inicialmente em nome da empresa terceira que não participou da licitação e foi beneficiada com a redução prevista no Regulamento do ICMS, e depois para o órgão que efetivou a compra, caracterizado veículo como “seminovo”.

O mesmo fato ocorreu no Pregão Presencial 059/2016, realizado pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso, onde também houve a participação de garagista, mas foi desclassificada. No recurso apresentado pela garagista, O MP entendeu que “nos termos do item 2.12 do Edital e Resolução CONTRAN nº 64, a entrega de veículo novo ocorre somente pelo fabricante ou concessionária autorizada, decorrendo que a venda por outro que não estes, haveria o veículo usado, assim, descumprimento o edital”, aponta trecho da decisão.

 Situações semelhantes foram verificadas noutros processos de licitações realizados em Prefeituras e em órgãos da Administração Pública, que estão sob a análise do TCE/MT. A assessoria jurídica da presidência do TCE confirmou os indícios de fraudes e informou que foram solicitados esclarecimentos da parte fiscal à Secretaria Estadual de Fazenda de Mato Grosso (Sefaz-MT). A Sefaz, via Superintendência de Fiscalização, identificou a fraude, afirmando que é uma repetição da operada em 2009 com uma nova cara.

“Nesta época, os garagistas utilizavam a criação de locadoras de veículos fantasmas, vendendo o veículo mais barato que as concessionárias, em razão da obtenção do benefício para aquisição de ativo fixo. A venda era feita ao consumidor mediante contrato de compra e venda de gaveta, sendo o veículo transferido ao comprador após 12 meses, prazo estabelecido pelo RIMCS. Agora, a ousadia chegou ao poder público, só que mediante empresas de ramos diversos”, aponta.

 A maior dificuldade enfrentada pelo Poder Público na fiscalização é que a fraude só se verifica ao final do processo de licitação, já com o carro recebido pela Administração Pública, no momento em que fará a documentação do veículo. Diante disso, a publicação dessa normativa pelo Detran-MT para combater a fraude no ICMS na fonte.

O escritório de advocacia que atende o setor, Leite de Barros Zanin Advocacia, esclareceu que o prejuízo absorvido pelo Estado vem do ano de 2016 e é múltiplo. “Começa pela perda de arrecadação, passa pela deturpação do sentido do benefício, podendo o Estado até mesmo optar pelo encerramento e pelo custo do próprio processo de licitação, que somente se identifica a fraude e concorrência desleal ao final do processo, tendo o Estado que fazer nova licitação; não esquecendo que, é ilusória que participação de garagista traz mais concorrência e melhor preço, ao contrário, trata-se de terceiro, que, se cumprir a lei, deverá adquirir o veículo junto a fabricante ou concessionária, para em seguida entregar, ou seja, mero intermediário que acrescerá ao preço suas despesas e lucro”.

Em Mato Grosso, somente no mês de agosto, foram emplacados  9,174 carros novos. De acordo com o presidente da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores de Mato Grosso (Fenabrave-MT), Paulo Boscolo, a normativa auxilia no cumprimento da lei.

“As concessionárias possuem a estrutura de ponto físico, logística de veda, pós-venda, manutenção dos veículos, por isso a normativa vem para somar e fortalecer o trabalho realizado, além disso, garante o cumprimento da lei quando falamos de venda de carros novos”, afirma.