Após provocação do Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPMT), ao longo desta semana foi deflagrada ação emergencial para abordagem social de famílias venezuelanas com crianças pelas ruas de Cuiabá. O trabalho consiste em abordar as famílias, fazer um levantamento de quantas crianças estão fora da escola, de quem precisa de ajuda com documentação, trabalho ou moradia, e, sobretudo, orientar os imigrantes sobre a lei brasileira de proteção integral da criança e do adolescente.

Já no primeiro dia da ação, foram encontrados muitos casos inusitados. Pai sozinho com três filhos no semáforo próximo à avenida Historiador Rubens de Mendonça, cunhados com crianças de parentes também venezuelanos na região do Centro Político Administrativo, genitora imigrante em hotel nas imediações da rodoviária, pago com a renda obtida com a exposição do filho, enquanto o mesmo se encontrava nas ruas.

“Infelizmente verificamos que essas pessoas estão violando, e muito, o direito das nossas crianças e adolescentes. E por isso foi salutar a decisão da promotora de Justiça Valnice Silva dos Santos de provocar o Estado, o Município e o Sistema de Garantia de Direitos para fazermos uma ação de, primeiro momento, orientativa e social, no intuito de proteger nossas crianças. Inclusive tivemos o zelo de traduzir nossas leis para o idioma deles, para que possam receber as informações e não alegar desconhecimento da legislação do nosso país e da proteção que as nossas crianças recebem aqui”, informou coordenador-geral dos Conselhos Tutelares, Davino Arruda.

A iniciativa, capitaneada pela Promotoria da Infância e Juventude de Cuiabá, conta com a parceria da Prefeitura de Cuiabá, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento Humano (Smasdh), e Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob), Secretaria Municipal de Educação, Conselhos Tutelares, entre outros integrantes da Rede de Proteção.

Orientação – As famílias encontradas passam por uma entrevista social para verificação de informações como dados pessoais, endereço, telefone para contato e composição familiar. Eles são perguntados também há quanto tempo estão em Cuiabá, se possuem outros familiares na cidade, se recebem benefício do Governo Federal, se passaram pela Casa do Migrante ou outro albergue. Por fim, são advertidos para que não deixem crianças e bebês nos semáforos e rotatórias, expostos ao sol e ao clima seco, à poluição e aos riscos das ruas, sem alimentação e hidratação adequadas.

Com uma cópia em mãos do termo de advertência traduzido para a língua espanhola, são orientados a imediatamente deixar o local e procurar o Conselho Tutelar mais próximo de onde moram. Lá, terão os bebês e as crianças encaminhados para berçários, creches e escolas da rede pública. Segundo Davino Arruda, as famílias ainda recebem um documento com a tradução dos principais artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei nº 8.069/1990.

Solidariedade – “Não tem como a gente não se sensibilizar vendo uma criança dessa idade na rua. Fico mexida quando tem criança, me toca”, afirmou Patrícia, condutora de um veículo que trafegava pela avenida Miguel Sutil na tarde de terça-feira (03), próximo à rotatória do bairro Santa Rosa. Região nobre de Cuiabá, é um dos pontos escolhidos por famílias venezuelanas com crianças para pedir dinheiro aos motoristas da capital. Estrategicamente posicionados em locais de grande concentração de carros nos horários de pico, exibem cartazes pedindo ajuda e, frequentemente, recebem auxílio financeiro. Assim como a Patrícia colaborou, muitos motoristas não conseguem se manter indiferentes à situação e contribuem com dinheiro, pensando fazer o bem.

“Tento ajudar quando dá, sempre levo no carro algum biscoito, calçado ou mesmo dinheiro. O que me motiva é a solidariedade, a gente se compadece. Afinal, temos tanto, não custa ajudar”, argumentou a servidora pública Loiva Bischoff, que também passou pelo local. Mas a situação divide opiniões. Há aqueles que, por outro lado, não concordam  com as cenas cada vez mais rotineiras. “Nunca ajudei e não acho certo eles ficarem nas rotatórias. Penso que o Conselho Tutelar tem que fazer alguma coisa para ajudar”, defendeu a motorista Gláucia Maria. Ela não sabia, mas era justamente esse o trabalho que estava sendo realizado no momento em que transitava pela avenida.

Violação de direitos – Para o coordenador-geral dos Conselheiros Tutelares, Davino Arruda, é necessário que a população veja essa situação com outros olhos. “A gente percebe que as crianças estão sendo usadas para sensibilizar a população cuiabana, que é bastante receptiva. Achando que estão ajudando as crianças, as pessoas que dão dinheiro, na realidade, estão colaborando para violar os direitos dessas crianças. Por isso a gente pede para que a sociedade, dê dignidade mas não dê esmola”, enfatizou.