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Mato Grosso registra o pior cenário de hanseníase do Brasil. A doença infecciosa, de evolução lenta e capaz de causar sequelas permanentes quando tratada tardiamente, continua se espalhando no Estado em níveis de hiperendemia. Em 2024, foram notificados 4.674 novos casos, número semelhante ao de 2023 e suficiente para manter Mato Grosso no topo do ranking nacional de detecção, segundo dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan).

Diante do avanço contínuo, o Tribunal de Contas do Estado (TCE-MT) analisou dados epidemiológicos e pressionou o poder público por respostas. O levantamento mostra que o plano estadual criado em 2018 para enfrentar a doença não saiu do papel de forma efetiva, foi prorrogado sucessivas vezes e não gerou impacto capaz de alterar a trajetória epidemiológica do Estado.

Com base no diagnóstico, o TCE determinou que o governo estadual e todas as prefeituras apresentem, em até 30 dias, um plano emergencial com orçamento definido, metas, responsáveis e mecanismos de monitoramento. A execução deverá ocorrer em até 180 dias.

A hanseníase, causada pela bactéria Mycobacterium leprae, tem cura e tratamento gratuito pelo SUS, mas o atraso no diagnóstico agrava a situação. Em 2024, 14,6% dos casos novos foram identificados já com grau 2 de incapacidade física, estágio em que o paciente apresenta sequelas definitivas como perda de sensibilidade, deformidades nas mãos e nos pés e danos nos nervos. Em 2009, esse percentual era de apenas 4,3%.

Outro dado sensível é a persistência da transmissão entre crianças e adolescentes. Em 2024, foram registrados 185 casos novos em menores de 15 anos, indicador de infecção recente dentro das residências. Na epidemiologia, casos pediátricos são considerados um dos sinais mais claros de transmissão ativa e falhas na vigilância.

O levantamento também aponta que a doença se concentra em populações vulneráveis: pessoas pardas, com baixa escolaridade e moradoras de áreas periféricas. Barreiras socioeconômicas dificultam o reconhecimento dos primeiros sintomas — manchas esbranquiçadas ou avermelhadas com perda de sensibilidade — e atrasam a busca por atendimento.

A taxa de cura reforça o alerta. Mato Grosso encerrou 2024 com índice de 69,5%, abaixo da média nacional (78%) e distante da meta do Ministério da Saúde (90%). Para o Tribunal, a queda está relacionada a falhas no acompanhamento dos pacientes, rotatividade de profissionais, problemas na atenção básica e interrupções no tratamento.

As metas de vigilância também não foram alcançadas. Apenas 79% dos contatos de pacientes foram examinados, quando o ideal é pelo menos 90%. Esse tipo de ação é considerado essencial para quebrar a cadeia de transmissão e reduzir o surgimento de novos casos.

Para o TCE, o quadro mostra a necessidade de coordenação entre Estado, municípios e equipes da atenção primária — algo que Mato Grosso ainda não conseguiu consolidar. A expectativa agora é que o plano emergencial exigido pelo Tribunal force as gestões locais a reorganizar estratégias, ampliar o diagnóstico precoce e garantir a conclusão dos tratamentos.

Com transmissão ativa, avanço das incapacidades e aumento de casos entre crianças, Mato Grosso enfrenta um dos cenários mais graves do país. A forma como o Estado responderá nos próximos meses deve definir se a curva da doença finalmente começará a recuar ou se continuará repetindo padrões que se arrastam há mais de uma década.

(VGN)