Quem transita pelas ruas de Cuiabá certamente já avistou famílias venezuelanas pedindo ajuda, dinheiro e emprego nos semáforos e rotatórias. Elas estão por todos os lugares, do centro às avenidas mais movimentadas. Crianças e até bebês expostos aos riscos das vias públicas, ao sol e calor excessivo, aliados à baixa umidade relativa do ar, à poluição, entre outros males. Diante dessa realidade cada vez mais frequente e das dezenas de manifestações que chegaram à Promotoria da Infância e Juventude de Cuiabá, a promotora de Justiça Valnice Silva dos Santos convocou agentes da Rede de Proteção para uma reunião.

A Promotoria tem recebido muitas denúncias em razão de famílias venezuelanas estarem pedindo ajuda nas vias públicas da Capital, ‘usando’ crianças e bebês para sensibilizar a população. Entendemos a situação dessas famílias, a saída do país de origem em busca de uma nova vida, mas não podemos fechar os olhos para a situação de risco à qual estão expondo os filhos”, explicou a promotora, dizendo que tem acionado quase que diariamente o Conselho Tutelar para verificar casos dessa natureza. “Por isso marquei essa reunião com as instituições envolvidas, para verificarmos o que pode ser feito em relação a essas crianças, quais medidas podemos adotar em favor delas, para que sejam tiradas dessa situação de exposição e de perigo e sejam protegidas”, explicou a promotora da Infância da Comarca de Cuiabá.

Para o coordenador-geral dos Conselhos Tutelares, Davino Arruda, “a situação é gritante”. “Diuturnamente nós, operadores do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, deparamos com crianças em situação de risco e vulnerabilidade nas esquinas, semáforos, rotatórias e isso é muito desumano para nossas crianças. Assumo como nossas porque, se migraram para cá e estão aqui, são nossas. Precisamos nos unir para efetivamente criar uma política pública emergencial visando atender essa demanda”, defendeu ele.

Deliberações 

Após os participantes exporem suas visões e sugestões sobre o assunto, definiram em conjunto três encaminhamentos. O primeiro será a realização de uma ação emergencial conjunta entre Conselho Tutelar, secretarias municipais de Assistência Social e de Educação, para abordagem dessas famílias nas ruas de Cuiabá. 

O segundo ponto acordado foi a realização de um mutirão no Centro de Pastoral para Migrante, ainda sem data definida, para atendimento às centenas de imigrantes vindos da Venezuela, Haiti, Cuba, Senegal, entre outros países. No mutirão serão oferecidos serviços como emissão de documentos e de carteira de trabalho, encaminhamento para vagas de empregos e escolas/creches, atendimentos psicossociais, médicos e odontológicos, e cadastramento em programas sociais. A terceira deliberação trata da construção, em parceria, de uma Política Migratória para Mato Grosso pelos agentes da Rede de Proteção.

Na avaliação da promotora de Justiça, a reunião foi bastante produtiva. “Tenho certeza que vamos conseguir fazer algo por essas crianças”, concluiu. Participaram do encontro conselheiros tutelares, representantes da Secretaria de Estado de Assistência Social e Cidadania (Setasc), das secretarias municipais de Assistência Social e Desenvolvimento Humano (Smasdh), Educação (SME) e Saúde (SMS), do Centro de Pastoral para Migrante e da comunidade venezuelana.

Orientação 

 Além das deliberações na reunião, a Promotoria da Infância e Juventude de Cuiabá encaminhou, esta semana, um ofício circular para os Conselhos Tutelares. A promotora de Justiça Valnice dos Santos recomendou aos conselheiros que, ao se depararem ou receberem denúncias de crianças em situação de vulnerabilidade nas vias públicas, conversem com as famílias, orientem e apliquem as medidas protetivas que lhes competem.

Casa do Migrante 

A coordenadora do Centro de Pastoral para Migrantes de Cuiabá (conhecida como Casa do Migrante), Eliana Vitaliano, explicou que a instituição já atendeu mais de 211 mil pessoas desde a sua fundação, em 1980, e o fluxo aumentou consideravelmente a partir de 2012 com a chegada dos primeiros haitianos. Ela explicou como os venezuelanos chegam até a capital mato-grossense, de maneira regulada pelo programa de interiorização do Governo Federal ou informalmente. “A demanda espontânea é maior que a do governo”, afirmou, informando que chega a mais de 700 venezuelanos, enquanto os regulados somam 267. Atualmente existem 100 vagas na casa e 118 pessoas morando lá. Eliana Vitaliano enfatizou que as famílias acolhidas na casa são orientadas a não irem com crianças para as ruas e que grande parte delas não está na Casa do Migrante.

Segundo a coordenadora, quando as famílias venezuelanas vão para as ruas dão visibilidade ao fenômeno da migração e, ao mesmo tempo, utilizam das crianças para arrecadar dinheiro nas rotatórias, chegando a ganhar de R$ 600 a R$ 1 mil por dia. “Estão competindo com vaga formal de trabalho”, afirmou.

De acordo com a venezuelana Rosbelli Rojas, que está há mais de um ano em Cuiabá, pedir ajuda e até mesmo migrar não é da cultura venezuelana e sim consequência da crise social no país. “Cuiabá é muito acolhedora e nos sentimos bem aqui. Em Boa Vista e Pacaraima isso não existe”, declarou.