Antes de se tornarem os companheiros fofos que conhecemos hoje, os gatos passaram por um extenso processo de domesticação, que começou milênios atrás. Pesquisadores ainda buscam entender como essa conexão começou — e novas descobertas continuam a surgir.
Em março, dois estudos, publicados na plataforma bioRxiv, trouxeram à tona uma perspectiva surpreendente sobre essa história. É possível que, no início, os gatos não tenham sido domesticados para viver como animais de estimação, mas sim com o objetivo de serem sacrificados.
A história por trás da domesticação dos gatos teve uma reviravolta em 2001. Até então, a teoria mais aceita era a de que os gatos haviam sido domesticados no Egito Antigo, apoiada por múmias felinas e diversas representações artísticas que mostravam a convivência próxima entre humanos e esses animais.
No entanto, uma descoberta arqueológica em uma vila agrícola no Chipre, ilha no Mediterrâneo, desafiou essa ideia. Durante a escavação de uma casa de 9.500 anos, os pesquisadores encontraram o esqueleto de um gato enterrado ao lado de um humano — um indício de uma relação próxima entre as espécies muito anterior ao Egito Antigo, antecipando essa ligação em mais de 4 mil anos.
Em busca de esclarecer o que pode ter acontecido, pesquisadores europeus se juntaram para voltar o foco desta história para o Egito. Analisando ossos antigos e material genético de gatos encontrados em diferentes regiões da Europa e do Mediterrâneo, os cientistas propuseram uma nova hipótese: os gatos podem, de fato, ter sido domesticados no Egito há cerca de 3 mil anos.
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Revisitando o passado
Ao comparar as medidas dos esqueletos de 2.400 felinos selvagens com as do chamado gato-de-Chipre, encontrado na ilha mediterrânea, os pesquisadores fizeram uma descoberta reveladora. O animal enterrado ao lado de um humano, anteriormente interpretado como um possível gato de estimação, na verdade pertencia à espécie gato-selvagem-europeu (Felis silvestris) — uma espécie maior e mais robusta, sem ligação direta com os gatos domésticos (Felis catus).
Essa descoberta levou os cientistas a reavaliar fósseis anteriormente classificados como ossos de gatos domésticos antigos, encontrados nas regiões central e sudeste da Europa.
“Quando você olha para os ossos, eles são enormes, e frequentemente são encontrados longe de assentamentos humanos” observa Sean Doherty, cientista arqueológico da Universidade de Exeter, no Reino Unido, em entrevista à revista Science. “Eles estão em uma caverna, com muitos outros animais selvagens.”
Foi assim que os pesquisadores identificaram que muitos dos ossos pertenciam, na verdade, ao Felis silvestris. A revelação enfraqueceu a teoria de que os primeiros agricultores domesticaram gatos e os levaram para a Europa, e devolveu ao Egito Antigo o protagonismo na história da domesticação felina.
“Caminho assassino”
Os fósseis mais antigos de gatos domésticos datam de entre 500 e 0 a.C. Durante esse mesmo período, sabe-se que houve o renascimento do culto à deusa Bastet, divindade egípcia associada à fertilidade e à saúde, frequentemente representada com cabeça de gato. Por isso, os pesquisadores acreditam que os felinos mumificados daquela época eram usados como oferendas religiosas. Com a crescente demanda por esses rituais, os egípcios teriam criado verdadeiros gatis (semelhantes a canis, mar para felinos) para manter um suprimento constante de gatos.
“É o caminho assassino da domesticação”, diz Greger Larson, biólogo evolucionista da Universidade de Oxford. “Eventualmente, alguns egípcios podem tê-los acolhido em suas casas como animais de estimação. Quando os gatos se aproximam a ponto de se tornarem próximos, o relacionamento se torna muito próximo, muito rápido.”
Caminho em aberto
Apesar das evidências reunidas e da nova hipótese levantada, os cientistas ressaltam que mais pesquisas e revisões por pares são necessárias para confirmar se o sacrifício de gatos realmente teve um papel na sua domesticação.
Alguns especialistas, inclusive, questionam essa teoria, apontando inconsistências — como o fato de que há representações artísticas de gatos vivendo em lares egípcios que datam de pelo menos 1500 a.C., ou seja, bem antes do auge do culto a Bastet. Uma coisa é certa: é difícil imaginar um mundo em que não pudéssemos fazer carinho neles ou tê-los sempre por perto.
(Por Redação Galileu)