O ex-presidente do Banco Central do Brasil (BCB), Roberto Campos Neto, afirmou nesta terça-feira, 8 de abril, que as tarifas impostas pelo governo norte-americano de Donald Trump “pode não ser tão ruim para o Brasil” e que este cenário deverá ser prolongado. Para Campos Neto, se fosse para a reciprocidade, a eficiência seria atingida mais rapidamente. A declaração aconteceu durante entrevista no programa “Pânico” do grupo Jovem Pan.

Na oportunidade, Campos Neto avaliou que, com as tarifas, a China precisará escoar sua produção. Segundo ele, a comunicação feita por Trump não foi boa, a tabela deixou dúvidas em relação aos objetivos do governo americano e agora será preciso explicar melhor. O ex-presidente do BC ressaltou que os Estados Unidos aceitaram por muitos anos que as tarifas de comércio não fossem recíprocas em troca de o dólar ser a moeda dominante em mais de 90% dos casos. Agora, disse, o país questiona se essa falta de reciprocidade é razoável.

“Hoje, a China tem alguns mercados que precisam para poder alimentar os seus produtos, e os Estados Unidos é um grande mercado. Se você fecha os Estados Unidos, hoje vão sobrar […] Indonésia, Malásia, Brasil, Índia. Virá produto mais barato porque a China tem capacidade ociosa, mas pode causar desequilíbrio na economia local. (…) As empresas podem vir para cá exportar por uma tarifa menor e também os produtos da China mais baratos”, falou.

“Aquilo me pareceu muito confuso, difícil de explicar, parecia uma conta que não era muito elaborada e gerou muita incerteza. (…) O governo [dos EUA] gasta muito tempo para ganhar credibilidade e, quando dá um deslize, perde muito rapidamente. (…) Mas, quando saiu a tabela, os pesos não eram conforme a reciprocidade, eram de acordo com o saldo de balança de um país para o outro. Era uma conta confusa, que não parecia muito elaborada e gerou incerteza. Enquanto o mundo estava preparado para caminhar para uma reciprocidade melhor, as medidas foram no caminho de restrição. Agora está tentando rever esse tipo de acordo. Eu acho que vamos ter um momento de incerteza que vai ser mais prolongado”, complementou.

REINDUSTRIALIZAÇÃO

Campos Neto afirmou que o país norte-americano aceitou propositalmente, desde o Plano Marshall, nos anos pós segunda grande guerra, as condições de tarifas não recíprocas em troca de ter o dólar como moeda dominante no mundo. Desta forma, a moeda dos EUA, o dólar, se tornou na principal moeda do planeta.

“Se a incerteza for muito grande, os mercados podem fazer dar errado um plano que poderia ser bom. (…) Ser o dono da moeda que negocia tudo tem valor, é muito relevante, em troca acordos de não reciprocidade. (…) A reindustrialização encarece a cadeia produtiva. O ideal seria não ter tarifa. Precisamos ver como isso vai acontecer, não sei se a proteção pela proteção vai atingir seu objetivo”, completou.

“Eu sou um economista liberal. O que a gente acredita é que cada país tem estar na sua fronteira de eficiência. Ou seja, eu vou fazer aquilo que eu sou mais eficiente e vou trocar com algum outro país, ou comerciar, com aquilo que ele é mais eficiente do que eu. (…) E agora tem esse questionamento se essa não reciprocidade é razoável ou não”, emendou.

INFLAÇÃO

Roberto Campos Neto durante a apresentação do relatório de Inflação do 4º trimestre de 2024. (Foto: José Cruz / Agência Brasil)

Campos Neto falou também que o BCB “está indo superbem” no combate à inflação. Entretanto, o ex-presidente da autoridade monetária avalia que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva adota medidas que aumentam a inflação no longo prazo. Segundo ele, os problemas que o país enfrenta hoje são antigos, com gastos públicos altos de curto prazo, que afetam o longo prazo.

O ex-presidente do BCB que o “problema” da inflação não está no órgão que regula o sistema financeiro. Ele comenta que a taxa básica de juros, o Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), que está em 14,25% ao ano, serve, segundo ele, para fazer um contrapeso à inflação estrutural derivada da ampliação de gastos sociais.

“Eu acho que o Banco Central está indo super bem. Eu acho que o problema não está no Banco Central. Às vezes tem muita mídia em torno do BC. O Banco Central tem uma ferramenta, que é os juros, para atingir uma missão que nem é dada por ele, a missão é dada pelo governo. (…) O governo poderia mudar tudo, se quisesse, mas, não. O governo escolheu fazer a meta de inflação do jeito que ela é feita e tem uma meta que é escolhida pelo governo. O Banco Central usa os juros para atingir aquela meta”, observou.

“O Banco Central tem uma ferramenta que são os juros para uma meta escolhida pelo governo. E está fazendo um bom trabalho. (…) A gente está nessa trajetória de fazer mais programas sociais, o que é bom, mas estamos pagando a conta com o lado do capital e do investimento. O governo teria que investir muito, mas não investe. Estamos numa armadilha que gera inflação estrutural e reduz a produtividade. Tirando o agro a produtividade não cresceu no Brasil”, resumiu.

VIDA PÓS-QUARENTENA

Perguntado se teria interesse em se candidatar a algum cargo político, ex-presidente do BCB afirma que não tem interesse e que está em conversas com o setor privado. Segundo ele, a decisão será anunciada nos próximos meses.

“As pessoas vão ver o que é e que vou ficar um bom tempo fora da política”, disse.

GASTOS PÚBLICOS

Campos Neto com o presidente do BCB, Gabriel Galípolo. (Foto: José Cruz / Agência Brasil)

O ex-presidente do BCB afirmou que despesas nesta área são ótimas, mas precisam ter “porta de saída”. Campos Neto declarou ainda que o governo não dá conta de pagar os estímulos e precisa aumentar a carga tributária do estoque de poupança e das empresas, na formação de capital.

De acordo com o economista, o governo precisa adotar medidas para estimular a oferta e os investimentos. O ex-presidente do BC disse que, ao fazer isso, há ampliação da produção e de empregos. Esse cenário cria um aumento da renda e um equilíbrio macroeconômico mais sustentável para crescimento de longo prazo sem inflação.

Campos Neto apontou que a Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG) subiu para 76,2% do Produto Interno Bruto (PIB) em fevereiro. O ex-presidente do BCB declarou que a dívida nominal vai crescer 9% ao ano. Em relação a janeiro, houve um aumento de 0,5%.

“Quando você estimula a demanda, dando dinheiro para as pessoas que precisam e vão consumir, a gente precisa saber a implicação disso no longo prazo. (…) Se está sempre estimulando a demanda de curto prazo e o dinheiro para pagar isso vem de investimento, no final das contas eu vou ter mais consumo e menos investimento. Se pegarmos isso em uma trajetória mais longa, mais consumo e menos investimento é mais inflação”, argumentou.

“A única alternativa a isso seria se o governo investisse muito, mas o governo não faz isso. Gasta muito. (…) Estamos numa armadilha que gera uma inflação estrutural à frente e um problema para a gente ser produtivo. (…) Grande parte das políticas do governo nos últimos tempos são mais ligadas a uma visão política eleitoreira de curto prazo. Vão estimular a demanda e, como não tem como pagar, tem que tirar de algum lugar e acaba tirando da parte produtiva”, reclamou.

FUTURO DIGITAL

Na entrevista, Campos Neto afirmou também que o futuro do mundo será uma economia digital. Segundo ele, o risco das moedas deixará de ser algo relevante neste novo cenário. O ex-presidente do BCB espera que haja uma conectividade maior entre as nações, como uma espécie de PiX global.

“Eu acho que, no final das contas, nós vamos para o digital. Não vamos nem para o dólar nem para o yuan. Tem alguns artigos sendo publicados. Temos soluções que conseguem ligar sistemas de pagamentos instantâneos em tempo real”, disse Campos Neto.

(Por Humberto Azevedo)