A análise de rochas encontradas em Marte revelou a presença das maiores moléculas orgânicas descobertas na superfície do planeta vermelho até hoje. Os achados dão novo fôlego para, quem sabe, respondermos a pergunta: nosso vizinho de planeta solar algum dia já contou com vida?
As moléculas descobertas pela nova análise são decano, undecano e dodecano, compostos químicos que são feitos de cadeias longas de carbono (e, como sugere seus nomes, são formados por 10, 11 e 12 átomos de carbono, respectivamente). Acredita-se que eles sejam fragmentos de ácidos graxos, tipos de moléculas que são consideradas “blocos de construção da vida”.
Os ácidos graxos ajudam a formar membranas celulares e desempenham várias outras funções metabólicas nos seres vivos. Por isso, eles costumam ser considerados traços para identificar a presença de vida. Bem, pelo menos, vida da forma como conhecemos na Terra.
Como destacou a NASA em comunicado, é possível que existam ácidos graxos produzidos sem a presença de vida. Eles surgem por meio de reações químicas desencadeadas por vários processos geológicos, incluindo a interação da água com minerais em fontes hidrotermais.
Os fragmentos de rocha que permitiram as descobertas tem 3.7 bilhões de anos de idade, e foram coletados na região marciana conhecida como Baía de Yellowknife, localizado na cratera Gale. Quem extraiu o material, em maio de 2013, foi o rover Perseverance, veículo que vaga por Marte desde 2012.
As amostras usadas no estudo foram analisadas ainda a bordo do Perserverance, graças ao mini-laboratório embarcado SAM (sigla em inglês para “Sample Analysis at Mars”). Basicamente, o que o equipamento no interior do veículo faz é aquecer as amostras a altas temperaturas e monitorar os compostos que surgiriam a partir dessa reação química.
Na Terra, os cientistas misturaram ácidos graxos com solo parecido com o marciano para tentar recriar a mesma situação analisada pelo mini-laboratório do rover. Os resultados indicaram a presença de decano, undecano e dodecano, os compostos orgânicos que formam ácidos graxos (considerados “blocos de formação da vida”).
O estudo que descreve a análise do material foi publicado na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences.
Por que a descoberta importa
Pesquisadores ainda não conseguiram comprovar a origem desses fragmentos de ácidos graxos marcianos. Portanto, ainda é cedo para dizer se eles são sinal da presença de alguma forma de vida. No entanto, isso não torna a descoberta irrelevante.
Até então, a missão Perseverance só havia descoberto moléculas orgânicas pequenas e simples. No entanto, a presença de cadeias de carbono longas indica que a química do planeta vermelho pode, no passado, ter reunido as condições necessárias para o aparecimento de vida.
Além disso, o novo estudo também aumenta as chances de que grandes moléculas orgânicas feitas apenas na presença de vida (o que os cientistas conhecem como “bioassinaturas”) tenham se mantido preservadas em Marte. Ou seja: se fragmentos de decanos, undecamos e dodecanos sobreviveram à dezenas de milhões de anos de radiação intensa e oxidação sem serem destruídos, é possível que outros compostos orgânicos também existam por lá.
A existência de moléculas orgânicas em Marte não é uma descoberta nova. Em 2018, descobriu-se que a amostra coletada em maio de 2013 (de nome “Cumberland”) guardava moléculas orgânicas menores, como metano, dicloropropileno e tiofeno, que também estão associados com processos biológicos.
Agora, pela primeira vez, foram encontradas na amostra Cumberland também moléculas orgânicas que formam cadeias longas. O vídeo abaixo explica a diferença entre os tipos de compostos.
Os autores destacam um ponto curioso em relação número de átomos de carbono que compõem os fragmentos de ácidos graxos marcianos. As cadeias dos compostos químicos achados em Marte têm entre 11 e 13 carbonos. Processos não biológicos normalmente produzem ácidos graxos mais curtos, com menos de 12 carbonos. Isso torna maiores as chances de vida marciana em algum momento do passado geológico do planeta? De novo: ainda é cedo para cravar.
Segundo a Nasa, é possível que a amostra Cumberland tenha ácidos graxos de cadeia mais longa. No entanto, o mini-laboratório SAM não é capaz de detectar moléculas grandes. Os planos, agora, envolvem trazer a amostra a bordo do rover Perseverance à Terra, para que elas sejam examinadas mais detalhadamente pelos pesquisadores.
“Estamos prontos para dar o próximo grande passo e trazer amostras de Marte para nossos laboratórios para resolver o debate sobre a vida em Marte”, disse, em comunicado, Daniel Glavin, cientista do Centro de Voos Espaciais Goddard, da Nasa, que assina o estudo.
(Por Redação Galileu)