Uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre empresas constituídas por brasileiros no exterior com a cláusula de “joint tenancy with rights of survivorship” (JTWROS) declarou que estes bens são transferidos automaticamente aos “sócios sobreviventes” e não entram na partilha de um inventário feito no Brasil. Como nestes casos os bens também não são partilhados no exterior, herdeiros que teriam direitos com base na legislação brasileira ficam de fora da partilha, sem nenhum inventário a ser elaborado.

Esta decisão, tem causado o aumento na remessa de dinheiro a paraísos fiscais por milionários brasileiros. O entendimento da Corte abriu uma grande brecha para que estas pessoas consigam burlar o sistema tributário ao mesmo tempo em que a União e os estados tentam aumentar suas arrecadações, inclusive estudando a possibilidade de elevar a alíquota do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCD).

O caso analisado pelos ministros do STJ envolvia uma disputa entre a viúva e quatro filhos de um homem falecido. Antes de morrer, ele abriu, em sociedade com a esposa, duas offshores nas Ilhas Virgens Britânicas, com a chamada cláusula de JTWROS. “Isso permite que duas ou mais pessoas possuam um bem, no caso a empresa, em partes iguais, com o direito de sobrevivência. Então, em caso de falecimento de um dos donos, a parte do bem desta pessoa é automaticamente transferida para o outro sócio”, explica a advogada tributarista Mariana Sasso.

No caso em questão, além do não pagamento dos impostos, a disputa judicial envolvia a distribuição dos recursos destas empresas para os filhos, ignorando os direitos à herança previstos na legislação.

De olho na possibilidade de evitar o pagamento do ITCD, cujo valor varia em cada estado e hoje pode chegar a 8%, muitos milionários brasileiros estão enviando seu dinheiro para o exterior, abrindo offshores com esta cláusula, escapando, com base no entendimento do STJ, do pagamento do tributo. O ITCD está em discussão no âmbito da reforma tributária e, atualmente, o Senado estuda a possibilidade de fazer com que este teto chegue até a 16%.

A novidade também animou diversos influenciadores que passaram a vender cursos e consultorias, nas redes sociais, ensinando as pessoas a criarem estas offshores. Em um dos perfis, uma pessoa que se identifica como “especialista em inventário” e possui mais de 540 mil seguidores, comercializa aulas ensinando advogados e outras pessoas interessadas em atuar no setor.

“Isso é bastante preocupante, porque se por um lado temos o aumento da carga tributária sobre a população brasileira, uma nova onda de ‘estratégias’ tem permitido que os mais ricos contornem estas obrigações fiscais, minando a equidade no sistema tributário. O uso de paraísos fiscais e mecanismos como a ‘joint tenancy’ mostram como a legislação brasileira pode ser manipulada, enquanto a maioria da população se vê sobrecarregada de impostos”, ressalta Sasso.

No início do ano, a família do empresário e ex-apresentador de TV, Sílvio Santos, morto em agosto do ano passado, conseguiu uma decisão liminar para não pagar mais de R$ 17 milhões a título de ITCD sobre os mais de R$ 429 milhões que ele mantinha no exterior. “Enquanto a Justiça permitir a distinção de direitos e deveres ao dinheiro herdado, com base na sua localização privilegiada, as pessoas que não possuem grandes recursos são penalizadas. A maioria da população enfrenta um muro de tributos, enquanto os que dispõem de maior poder aquisitivo escolhem suas opções fiscais”, pontua a jurista.

Para Mariana, os debates sobre reformas tributárias devem ser amplificados, a fim de criar um ambiente legal que não apenas proteja os direitos à herança, mas também assegure que todos contribuam de maneira equitativa, reduzindo as disparidades e promovendo uma sociedade mais justa. “Mas, enquanto isso, quem de fato fatura são os vendedores de cursos que criam mais disparidades na nossa sociedade”.