Ancestrais do Homo sapiens, como os denisovanos e neandertais, também tinham seus próprios tipos sanguíneos – assim como os que chamamos hoje de A+, B+, O- ou AB-, por exemplo. Só que, pelo fato de esses hominídeos terem se espalhado menos pelo mundo, se reproduzindo com outros esses tipos eram menos diversos que os nossos. E essas diferenças sutis no sangue podem ter sido cruciais para a sobrevivência da nossa espécie, bem como para a extinção dos hominídeos rivais. É o que sugere um novo estudo francês, que analisou como os grupos de sangue mudaram desde os humanos antigos até hoje.
Primeiro, pesquisadores da Universidade Auix-Marseille, na França, analisaram o genoma de 22 Homo sapiens que viveram entre 46 mil e 16,5 mil anos atrás, além de 14 neandertais com idade entre 120 mil e 40 mil anos e um indivíduo de 98 mil anos, que era descendente de neandertais e denisovanos. Esses DNAs de hominídeos vêm da Europa e Ásia, de regiões como a atual Alemanha, Sibéria e China, por exemplo, e já haviam sido sequenciados previamente.
Como destaca a revista Science, a análise focou em encontrar evidências de 10 grupos sanguíneos (existem 47 ao todo, como contamos neste texto aqui) que podem representar problemas em caso de transfusões sanguíneas incompatíveis. O estudo revelou que, nos neandertais, esses 10 grupos sanguíneos permaneceu inalterada nos últimos 80 mil anos em que esse grupo humano existiu. Neandertais foram extintos há 40 mil anos, e também chegaram a ter contato sexual com outras espécies de hominídeos, como a nossa.
Só que isso aconteceu de forma muito mais intensa com o Homo sapiens. Afinal, nossa espécie emigrou da África, em diferentes ondas, entre 75 mil e 40 mil anos atrás. E, depois, prosperou em diferentes ambientes, passando a ocupar outras regiões do planeta. E o contato com outras espécies de hominídeos gerou mutações aleatórias em suas hemácias, originando novas variações genéticas e, por tabela, novos grupos sanguíneos.
Por vezes, o surgimento aleatório de novos grupos sanguíneos pode ter levado a características benéficas para a existência da espécie. Como descrevem em um artigo publicado na revista Scientific Reports, o novo estudo encontrou, por exemplo, a maior presença em neandertais de um tipo sanguíneo raro que poderia ser fatal para recém-nascidos.
A ausência dessa variante sanguínea é potencialmente problemática porque ela pode ameaçar os pequenos ainda no parto: uma vez que seu sangue não tem correspondência com o da mãe, qualquer contato mínimo poderia ser fatal. Ainda que não morram no parto, o cenário mais grave, a mesma variante está associada a diversas doenças do sangue, como icterícia, anemia severa e danos ao cérebro, que diminuem as chances de sobrevivência do bebê.
“Para qualquer caso entre uma fêmea neandertal com um Homo sapiens ou macho denisovano, há um alto risco de doença hemolítica do recém-nascido. Isso poderia ter contribuído para o desaparecimento da população neandertal”, resumiu a antropologista genética Stéphanie Mazières, pesquisadora que liderou o estudo, em entrevista ao site Live Science.
A variante em questão é a RHD DIII tipo 4. Ela era muito comum em neandertais, só que, em humanos, apesar de permanecer até hoje, é muito rara. Isso aconteceu pelo fato de, quando o Homo sapiens deixou a África, ele passou essa característica sanguínea adiante enquanto estava a caminho do sudeste asiático, há mais de 65 mil anos. Neandertais, que não seguiram o mesmo caminho dos humanos atuais e permaneceram de forma mais fixa na Europa e Ásia, podem ter tido sua existência ameaçada pelo fato de suas populações contarem com o tal tipo sanguíneo
(Por Redação Galileu)