LAUDICÉRIO MACHADO

Mato Grosso viveu recentemente uma polêmica envolvendo as declarações do presidente do Sindicato dos agentes, investigadores e escrivães da Polícia Civil. Em entrevista, o sindicalista usou um tom de menosprezo ao se referir à Polícia Militar em discurso sobre reajuste salarial, demanda antiga da categoria.

As declarações, que incluíram críticas ao militarismo e insinuações de que a Polícia Militar carece de caráter técnico-científico, acenderam um debate sobre as discrepâncias entre as duas instituições e revelaram o abismo entre atribuições e condições de trabalho. Enquanto a Polícia Militar realiza mais de 90% das interações sociais em segurança pública, a Polícia Civil concentra privilégios que incluem 420 cargos comissionados em DGA, jornada semanal limitada a 40 horas e penduricalhos como verbas indenizatórias, adicional noturno e de disponibilidade, que ampliam os rendimentos em até 40%, algo inexistente na realidade militar.

Além disso, o presidente do sindicato chegou a sugerir que a Polícia Civil estaria em processo de reforma para eliminar divisões internas e buscar equiparação entre delegados e os chamados “oficiais de polícia civil”. Essa tentativa de equiparação ignora o fato de que policiais militares já desempenham atribuições amplamente técnicas e investigativas, muitas vezes equivalentes ou superiores às funções da Polícia Civil.

Polícia Militar: mais que ostensiva, uma força completa

A partir da graduação de sargentos, os policiais militares atuam em funções de Polícia Judiciária Militar, presidindo inquéritos, lavrando autos de prisão em flagrante, conduzindo sindicâncias e processos administrativos. Além disso, a atividade de inteligência policial militar frequentemente se sobrepõe às ações investigativas realizadas pela Polícia Civil, consolidando uma força versátil e capaz de atender a todas as demandas da sociedade.

Outro ponto que evidencia essa capacidade é a atuação da Polícia Militar em crimes de menor potencial ofensivo. Nesses casos, mesmo um soldado pode relatar as ocorrências diretamente ao Juizado Especial Criminal, realizando a adequação preliminar e formalizando compromissos de comparecimento das partes envolvidas. Isso demonstra que a Polícia Militar, em diversos contextos, já exerce plenamente o papel de autoridade policial.

Esse cenário reforça que a Polícia Militar não apenas está preparada, mas é uma das poucas instituições capazes de assumir o ciclo completo de polícia, modelo amplamente adotado em todo o mundo. Enquanto países desenvolvidos unificaram ações ostensivas e investigativas, o Brasil e menos de meia dúzia de outras nações ainda insistem em manter um sistema fragmentado e ineficiente.

O peso da burocracia

Em contrapartida, a Polícia Civil carece de competências e estrutura para assumir integralmente o ciclo completo. Sua atuação, marcada por tarefas cartoriais e burocráticas, se limita a uma parcela reduzida da segurança pública. Quando comparada à Polícia Militar, que trabalha no limite com jornadas mínimas de 42 horas semanais, frequentemente sacrificando folgas para cumprir até 50 horas extras mal remuneradas.

A diferença é gritante.

A ausência da Polícia Militar, historicamente, tem resultado em caos imediato para a sociedade, ao passo que a falta de ações da Polícia Civil dificilmente gera o mesmo impacto. Essa disparidade reflete a dependência da sociedade em relação à Polícia Militar, que garante a ordem pública mesmo diante de condições adversas.

Uma reflexão necessária

O episódio revela mais do que desentendimentos institucionais. Ele expõe uma realidade em que a Polícia Militar, apesar de carregar o maior peso da segurança pública, enfrenta condições de trabalho desiguais e um reconhecimento que não reflete sua importância.

A sociedade mato-grossense precisa compreender que a segurança pública eficaz não se faz com privilégios, penduricalhos milionários e ar-condicionado, mas com a dedicação de profissionais que estão diariamente nas ruas, arriscando suas vidas em prol do bem coletivo. Afinal, enquanto uns escrevem, outros fazem — e isso faz toda a diferença.

(*) SARGENTO PM LAUDICÉRIO MACHADO é presidente da Associação de Cabos e Soldados da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros de Mato Grosso e presidente do Conselho Fiscal da Federação Nacional de Praças. Graduado em Direito, também com graduação, mestrado e doutorado em Administração e cursando bacharelado em Ciências Sociais pela UFMT.

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