ODALGIR SGARBI JUNIOR

Já escrevi outrora num artigo científico que a história da humanidade é marcada por diferentes formas de exercício do poder. Ao longo dos séculos, vimos a transição do domínio pela força das armas para o império da lei, passando pela influência da religião.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consolidou o Estado Democrático de Direito, estabelecendo a tripartição dos poderes e garantindo direitos fundamentais aos cidadãos.

Contudo, nas últimas décadas, tem-se observado um fenômeno preocupante: o crescente protagonismo do Poder Judiciário, especialmente do Supremo Tribunal Federal (STF), em questões tradicionalmente reservadas aos poderes Legislativo e Executivo. Este fenômeno, conhecido como “ativismo judicial”, tem suscitado debates acalorados na comunidade jurídica e na sociedade em geral.

O ativismo judicial manifesta-se de diversas formas, desde interpretações expansivas da Constituição até a criação de normas jurídicas por meio de jurisprudência. Embora seus defensores argumentem que tal prática preenche lacunas legislativas e protege direitos fundamentais, é notório os riscos à separação dos poderes e à representatividade democrática.

Apesar dos avanços, não se pode negar que depois de milênios de utilização de forças para se manter no poder, seja por armas ou pelo temor, vivenciamos uma nova ameaça: o ativismo judicial do Supremo Tribunal Federal que, como outrora confessado pelo Ministro do STF Dias Tóffoli, no 9º Fórum Jurídico de Lisboa, em Portugal “nós já temos um semipresidencialismo com um controle de poder moderador que hoje é exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Basta verificar todo esse período da pandemia”, frase essa pública e notória de toda coletividade.

O STF tem se tornado uma corte politizada. Suas decisões são baseadas em métodos hermenêuticos complexos, inacessíveis à maioria dos cidadãos, criando normas jurídicas na ausência de leis regulatórias, impossível de ser combatido pelo agente comum ou pelo advogado menos experiente ou estudado.

Estamos vivenciando uma verdadeira “ditadura judicial”, com decisões baseadas mais em precedentes jurisprudenciais do que na letra da lei. É necessário questionar este cenário para evitar a concentração de poder nas mãos do STF, comparada ao poder histórico da Igreja ou dos militares.

É crucial ressaltar que não se trata de um ataque ao Poder Judiciário, instituição essencial para o funcionamento do Estado de Direito, mas o papel dos tribunais, especialmente do STF, na conformação das políticas públicas e na interpretação das normas constitucionais.

Neste contexto, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deveria emergir como um ator fundamental. Como entidade representativa da classe dos advogados e guardiã da Constituição, a OAB tinha o dever de liderar o debate sobre os limites da atuação judicial e a preservação do equilíbrio entre os Poderes.

Mas o que fizeram nossos representantes de entidade da OAB afinal? Eu vos digo: Preservaram seus interesses pessoais, abdicaram da essência advocatícia do combate e restabelecimento da ordem e justiça, transformaram a instituição em um balcão de negócios, e desmoralizam toda uma classe de quase 1,4 milhões de advogados pelo Brasil, que bravamente acordam todos os dias para lutar pela justiça. Lamentável.

A OAB, por meio de suas subseções, pode e deve atuar em diversas frentes para enfrentar este desafio.

É fundamental que a OAB passe por uma transformação, que deva começar pela mudança de seus membros. É notório que não vem dando certo, que o sentimento da classe é que a Ordem dos Advogados do Brasil não vem representando sua classe. É necessário, pois, trazer uma mudança de filosofia, mudança de ares, e que deve começar nesta próxima eleição.

E a OAB não é apenas no Conselho Federal, ela começa nas Subseções, passa pela Seccional e essa mudança depende de todos nós advogados que não nos acovardamos para os desafios que devemos enfrentar, cujo caminho é árduo. Aliás, nunca foi.

Após essa arrumação da casa, é necessário que a OAB acompanhe de perto as decisões dos tribunais superiores, especialmente aquelas que possam configurar extrapolação de competências constitucionais, fomentar discussões sobre o papel do Judiciário, os limites do ativismo judicial e as implicações para a democracia brasileira. É importante que os advogados sejam incentivados a participar ativamente dos processos legislativos, contribuindo para o fortalecimento do Poder Legislativo.

A Ordem deve lutar por critérios objetivos e meritocráticos nas nomeações para os tribunais superiores, combatendo indicações baseadas puramente em alinhamento político, desenvolver programas de educação jurídica para o público em geral, promovendo uma melhor compreensão do funcionamento das instituições democráticas.

A advocacia brasileira tem um papel histórico na construção e manutenção da democracia. Diante dos desafios atuais, é imperativo que a classe se mobilize para garantir que o poder da interpretação judicial não se sobreponha à vontade popular expressa através dos representantes eleitos.

Rui Barbosa, no início do século XX, já alertava que a pior ditadura é a do Poder Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer. Esta advertência ressoa com força renovada nos dias atuais, exigindo uma postura vigilante e combativa da advocacia.

A OAB, como instituição, e os advogados, individualmente, têm a responsabilidade de ser a voz da sociedade civil neste debate crucial. Somente com uma advocacia forte, independente e atuante poderemos fazer frente aos desafios que se apresentam e contribuir para a manutenção de um Judiciário equilibrado e uma democracia vibrante.

O momento exige uma reflexão profunda sobre o papel do Judiciário em nossa democracia.

A OAB, por sua posição única no cenário jurídico brasileiro, tem o dever de liderar este debate, promovendo uma advocacia combativa que zele pela preservação do Estado Democrático de Direito e dos princípios constitucionais que o sustentam. Só assim poderemos garantir que a lei, fruto da vontade popular, permaneça como a força suprema em nossa sociedade, acima de qualquer interpretação arbitrária ou decisão autoritária.

E nesse cenário atual, lamentavelmente, não vislumbramos qualquer mobilização da Ordem dos Advogados do Brasil atual para combater os mandos e desmandos do STF num cenário amplo, o que nos faz, ao final das contar, perceber que a mudança interna em nossa classe é medida emergencial.

Portanto, é necessário um chamado à responsabilidade. Os líderes da OAB, especialmente aqueles em posições locais e estaduais, precisam compreender que a advocacia exige uma postura ativa e engajada.

A omissão é um pecado mortal para aqueles que devem defender os ideais de justiça e liberdade. Que esse silêncio não seja a marca de uma liderança que se esconde nas sombras, mas que sirva como um lembrete do que não devemos aceitar em uma instituição que deveria ser a guardiã inabalável da democracia.

Odalgir Sgarbi Junior é advogado.

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