O ex-ministro Delfim Neto, que acaba de falecer, é uma figura complexa, difícil. Ele marcou a economia da ditadura militar. Fez parte de um conselho na época do Castello Branco, virou ministro com o presidente Costa Silva e permaneceu como ministro no governo Médici. Durante um curto período do governo Geisel, foi embaixador do Brasil em Paris. Geisel não o quis como ministro da Fazenda, mas ele voltou de lá, virou ministro do governo Figueiredo. Naquele último governo da ditadura ele entrou como ministro da Agricultura, mas articulou para voltar para a economia. Foi para o Planejamento rapidamente e lá passou a ser o centro da definição da política econômica.

Concentrador do poder, se estivesse no Ministério da Fazenda era esse o órgão mais importante, quando foi para o Planejamento, esse se tornou o mais importante. Ele não admitia sombras, tanto que protagonizou uma disputa de poder com Mario Henrique Simonsen, quando este era ministro da Fazenda no começo do governo Figueiredo e Delfim era ministro do Planejamento. Simonsen acabou deixando o governo meses depois. Delfim transformou Ernani Galvêas, que ficou com a pasta da Fazenda, em uma espécie de vice-ministro, e se tornou o comandante da economia, apesar de se manter à frente do Planejamento. Como foi dito dele várias vezes, o Czar da economia.

Delfim Neto foi o economista que comandou a economia da ditadura na maior parte do tempo, independentemente do cargo que exerceu. Ele esteva à frente da Fazenda de 1967 a 1974. Foi figura central em momentos de fartura e de crise. Para que se entenda a importância da figura dele, o impacto na história do país, é preciso contar que ele fez o chamado “milagre econômico”, foi o condutor do período que o Brasil mais cresceu, a taxa chegou a 11% ao ano. Na economia os militares tinham números bonitos para comemorar, produzidos por Delfim Netto, enquanto o país vivia o governo mais tirânico da ditadura, o período Médici, marca o apogeu de Delfim como ministro da Fazenda, quando ele pôde tudo. O país cresceu muito, justamente no período em que o governo militar mais torturou, matou e exilou.

Ex-ministro da Fazenda, Delfim Netto — Foto: Edilson Dantas

Mesmo o crescimento era muito discutido porque o modelo cresceu concentrando renda. Apesar dos grandes avanços do PIB, Delfim foi muito criticado, exatamente por esse crescimento a qualquer custo político, social e mesmo econômico. A dívida externa cresceu, a inflação começou a subir e houve denúncias de manipulação de índices. A dívida cresceu mais ainda no governo do qual ele não participou, Ernesto Geisel, mas acabou estourando no colo do próprio Delfim, quando voltou a comandar a economia. O Brasil quebrou. Quebrou pela dívida externa. Ele liderou toda a negociação infrutífera com o FMI, em que o Brasil fazia cartas e mais cartas, que não conseguia cumprir. A crise da dívida externa brasileira só foi resolvida na democracia.

Na democracia, Delfim Neto fez uma guinada importante. E submeteu-se ao voto popular, foi eleito deputado cinco vezes e participou da Constituinte. Como deputado, permaneceu influente, atuante. Mesmo após se afastar da política, continuou sendo conselheiro, sendo ouvido, inclusive, por vários presidentes que se sucederam no cargo, independentemente do campo político

O curioso é que quando foi escolhido como conselheiro no primeiro governo militar nos anos de 1960, ele era visto como um técnico, sem nenhuma ambição política, mas sempre foi na verdade uma cabeça política e no fim participou da política partidária. Delfim tinha grande capacidade de análise política, por isso era um interlocutor, um político capaz de analisar e conhecer todo o cenário brasileiro. Na ditadura foi parte da linha dura, tanto que na reunião em que foi assinado o AI-5 ele chegou a pedir medidas mais duras. Na democracia, a sua característica passou a ser a capacidade de conversar com qualquer campo político sem nenhuma radicalização ideológica.

Delfim Netto teve uma trajetória cheia de controvérsias, é uma figura que, de fato, não é simples de analisar. Mas marcou a história do Brasil.

(Míriam Leitão)