Um estudo conduzido por pesquisadores brasileiros e estrangeiros a partir das atas das seções eleitorais da Venezuela indica que Edmundo González Urrutia, candidato de oposição ao regime de Nicolás Maduro, venceu a eleição presidencial com 66,1% dos votos contra 31,3% de Maduro — e avançou inclusive sobre redutos políticos que votaram pelo chavismo na última década.

O trabalho, feito a partir de 997 atas obtidas por voluntários venezuelanos que se mantêm anônimos por questão de segurança, faz parte do projeto AltaVista, que desenvolveu uma metodologia para projetar o resultado eleitoral na Venezuela. As atas utilizadas no estudo são as mesmas que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) se recusa a divulgar publicamente.

O grupo de quatro pesquisadores das Universidades de Michigan (EUA), da Federal de Pernambuco (UFPE) e de uma instituição da Venezuela mantida em sigilo para preservar a segurança do pesquisador venezuelano, mantido sob anonimato, se organizou por meses para desenvolver um modelo estatístico para acompanhar as eleições do país vizinho e recolher os boletins de urna fornecido por voluntários venezuelano. Eles contabilizaram os dados ponderando os dados por região e por tendência histórica de votação, de acordo com a metodologia do projeto.

Os resultados são bem próximos dos reivindicados pela oposição, que afirma ter 83% das atas emitidas no país caribenho. Na apuração paralela disponibilizada na internet, González tem 67% dos votos válidos contra 30% de Maduro em um universo de 81,8% de atas digitalizadas.

Eleições na Venezuela

Membros da Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) fazem fila em uma seção eleitoral durante a eleição presidencial venezuelana — Foto: Yuri CORTEZ / AFP

As atas nada mais são do que boletins de urnas que, como no Brasil, são emitidos pelas máquinas após o encerramento da votação tanto para a conferência dos resultados pela população e por fiscais quanto para auditar os votos computados, totalizados e disponibilizados pela autoridade eleitoral.

O CNE declarou a reeleição de Maduro com 51% dos votos – um resultado que boa parte da comunidade internacional e observadores eleitorais como o Carter Center não reconhecem por não terem tido acesso às atas.

Para projetar o resultado, o AltaVista analisou a tendência eleitoral das 30 mil seções eleitorais ao longo das eleições presidenciais de 2013, quando Maduro se elegeu pela primeira vez, das parlamentares de 2015 e 2020 e os pleitos regionais de 2021, e as separou em uma escala de sete classificações que partem dos locais com mais votos pró-oposição e vão até os que se demonstraram mais pró-governo neste intervalo.

Os pesquisadores distribuíram, então, os estratos por regiões e aplicaram uma fórmula para selecionar 1.500 seções eleitorais aleatoriamente para que representassem o eleitorado nacional e que teriam suas atas reunidas por voluntários e certificadas pelos autores do trabalho.

Como já previam que poderia haver dificuldades em razão de obstáculos colocados pela ditadura, os autores já haviam elaborado antes do pleito uma fórmula para corrigir discrepâncias caso a meta de 1500 não fosse atingida. Ao final, o grupo conseguiu reunir 997 atas.

Para garantir que não houve viés na escolha dos locais de votação para favorecer qualquer uma das candidaturas, a metodologia da seleção das seções foi divulgada antes do dia da eleição em uma plataforma digital pública.

O trabalho apontou a liderança de González sobre Maduro em seis dos sete estratos de apoio. Mesmo no recorte com as seções de maior tendência histórica de apoio ao governo, a diferença de votos foi de apenas 0,34 ponto percentual a favor do ditador venezuelano.

Esse resultado apertado e a prevalência de González nos estratos intermediários apontam para um avanço da oposição em territórios de maioria pró-Maduro e pró-chavismo nos últimos dez anos.

“Sempre há uma pequena possibilidade [estatística] de, mesmo dentro desses estratos, acontecer algum problema, como as atas eleitorais que foram analisadas serem um pouco mais pró-oposição do que outras”, disse à equipe da coluna Raphael Nishimura, pesquisador da Universidade de Michigan (EUA) que atuou no levantamento como consultor externo de estatística. “Ainda assim, as diferenças que constatamos são tão grandes que seria muito difícil que todas as atas que não foram contadas fossem pró-Maduro”, explicou Nishimura.

Boa parte das 503 seções eleitorais onde não foi possível obter as atas seria enquadrada nos estratos mais pró-Maduro, o que sugere que o regime pode ter atuado para encobrir uma vantagem ainda mais expressiva da oposição nas urnas.

Margem de erro baixa

Ainda segundo Nishimura, a projeção dos resultados, que pode vir a ser publicada em um periódico científico futuramente, contou com uma margem de erro baixa (0,5%) justamente por se debruçar sobre estatísticas oficiais das urnas omitidas pelo CNE, mas disponibilizadas nas seções eleitorais.

“É uma margem bem baixa. Isso ocorre porque estamos literalmente observando os votos de todas essas seções de votação. Como tem uma média de cerca de 400 a 450 votos por seção, o tamanho da amostra é bem grande”, disse o pesquisador da Universidade de Michigan.

“Não é como uma pesquisa de opinião pública, quando abordamos eleitores perguntando em quem eles irão votar. Nós literalmente trabalhamos com o dado agregado de votos oficial da eleição. É um dado livre de erros no sentido de observação. Trata-se de um estudo que faz projeções para votação do eleitorado com base em dados de uma amostra das urnas que trazem os votos das seções eleitorais”.

No artigo publicado na internet antes da eleição de domingo para registrar antecipadamente a metodologia adotada, os pesquisadores do AltaVista argumentam que a metodologia desenvolvida pelo grupo, disponibilizada publicamente, pode ser aplicada em outros países com a “integridade eleitoral comprometida”.

Eles ainda classificam a Venezuela como um “excelente estudo de caso” pelo histórico de recrudescimento do regime chavista, que culminou na prisão ou sequestro de opositores e no indeferimento das candidaturas de oposição encabeçadas por María Corina Machado e, posteriormente, Corina Yoris – ambas substituídas por González.

(Johanns Eller/O Globo)