ELISMAR BEZERRA ARRUDA

Há quarenta anos, a Educação vivia grandes esperanças com o fim da infame Ditadura Militar; quando grande parte dos Educadores e Educadoras era, mais que professor, Militante – inclusive, um quase impúbere, como eu. Havia uma ambiência favorável ao estudo e à aprendizagem na sociedade, impactando lindamente Professores, Alunos, Pais e Mães; pois, a ignorância era motivo de vergonha para o indivíduo.

Nesse então, a economia mato-grossense tinha outra configuração, com o Estado exercendo – na forma dos governos municipais, estadual e federal – uma presença muito importante na realidade estadual: seja na empregabilidade da mão de obra, seja na transferência de muito dinheiro e terras para o empresariado rural, protoagronegócio. A classe média era constituída majoritariamente por uma pequena parte dos Servidores Públicos do Estado e da União (Professor-Especialista, Professores da Universidade Federal, Bancários do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, Fiscais da Receita Estadual, etc.) e uns poucos comerciantes.

A situação da Escola Pública e as difíceis condições de vida e trabalho dos Educadores, mais aquelas esperanças todas, determinavam nossas lutas e reivindicações; que, ao tempo em que denunciavam as injustiças e desrespeitos governamentais, apresentavam a perspectiva de superação, pela exigência de Piso Salarial Profissional, Gestão Democrática, Horas Atividades, Pagamento em Dia e Concurso Público para o Magistério. Esse conjunto de reivindicações propunha elevar as condições de vida e trabalho dos educadores, pela estruturação e prática de uma nova Educação e uma nova Escola Pública; defendidas como fundamentais para um novo desenvolvimento econômico-social mato-grossense. Então, uma Greve na Educação mobilizava a sociedade, impactava o comércio, especialmente a vida dos comerciantes do interior, que tinham nos nossos salários a maior fonte de suas receitas; os quais, por estes e outros interesses imediatos, eram sensibilizados a apoiar nossa luta, inclusive as greves, até com contribuições para o pagamento do frete dos ônibus que levavam Professores e Professoras para as manifestações e Assembleias da AMPE (depois SINTEP) em Cuiabá.

A gente se dava àquelas lutas com muita alegria e esperança; de modo que, antes do final dos anos de 1980, toda aquela pauta de reivindicações foi conquistada, constituindo os elementos fundamentais da mais avançada política educacional estadual que Mato Grosso já viu estruturada, instituída – embora não efetivada em sua totalidade. Nós, educadores e educadoras, por nossas lutas, também legislávamos!

Mas, a vida é um processo, “é combate, que os fracos abate”, é luta sem fim: “Educação é Luta!”. A economia sob o capitalismo, dada a sua contradição insanável, é um processo de revolucionamento constante, sempre em função do interesse capitalista. Assim, a partir de meados dos anos de 1990, configura-se um novo processo econômico estadual, em que o projeto de desenvolvimento patrocinado pelo Estado desde o Governo Vargas, com a concessão de recursos financeiros, fiscais e terras públicas para o empresariado em montantes e quantidades jamais vistos, começa a dar sinais de sucesso e consolidação. Com “as burras cheias”, mas ávida por mais e mais recursos públicos, a classe proprietária-governante, consciente do que pode o Estado em seu favor, especialmente o Erário, intensifica a defesa de ideias e procedimentos privatistas. Com o fito de maximizar o apoio estatal aos seus negócios, por todas as formas e meios, inclusive não republicanos, defende a minimização do Estado para o povo, para os trabalhadores, para a sociedade, qualificando-o como perdulário, incompetente e corrupto; ao tempo em que busca endeusar a si mesma aos olhos das massas, apresentando-se (empresa privada e empresários), como os únicos responsáveis e capazes de promover o desenvolvimento, “gerando emprego e renda” para o povo etc.

Com efeito, a empresa privada agropecuária e seus controladores avolumam extraordinariamente seu poder econômico e político em todas as regiões de Mato Grosso, a partir do Nortão; pelo que a antiga classe média se desconfigura, perde força e importância, em face da emersão desses novos agentes econômicos – quando passa a ser constituída, majoritariamente, por pequenos comerciantes e empresários do setor de serviços, por gerentes, funcionários graduados e outros prepostos assalariados de grandes empresas nacionais e estrangeiras, que se instalam nas diversas regiões do estado. Assim, em 2003, essa empresa ou o que se convencionou denominar Agronegócio, elege Blairo Maggi para o Governo Estadual, fato que se afigura como o marco histórico do estabelecimento da supremacia econômica e política da grande empresa privada e seus controladores na realidade estadual; ou seja, por esse seu legítimo representante à frente do Governo, passa a dominar, além da economia, a política estadual.

É de se destacar que, antes, como expressão da ideologia dessa classe, já se desenvolvia um vigoroso processo político-pedagógico na sociedade, difundindo e enraizando, especialmente na classe trabalhadora, os conceitos e ideias mais preconceituosos e deletérios contra o que é público e estatal-governamental; portanto, contra a Educação e a Escola Pública, que são caracterizados como o que não tem qualidade, como o que não dá resultados, não ensina “o que deveria ser ensinado”, etc. Ou seja, logo o Agronegócio, fruto direto das políticas públicas, do apoio desmedido do Estado e dos Governos, passa a dizer para a sociedade intrepidamente, que o Estado e os Governos não têm competência para promover o desenvolvimento econômico-social – sim, do mesmo Estado e Governos que promoveram o Agronegócio, o Agronegócio diz que não têm competência pra nada! O interessante é observar que, contraditoriamente, o Governo Blairo promoveu ações interessantes para a Escola Pública, inclusive do ponto de vista pedagógico, o que pode parecer a um desavisado, a negação daquela ideologia; quando revela os limites da Escola e o poder e a abrangência da Empresa Privada, decorrentes do seu controle sobre o processo produtivo.

Não esqueçamos: o capital é autotélico e a sua ética é o lucro!

Assim, a Educação e a Escola Pública que viveram as mais belas conquistas pela luta dos seus Educadores e Educadoras, e as viram ser destruídas, uma a uma, desde os Governos Jaime e Dante (descaracterização e/ou extinção da Gestão Democrática, das Horas Atividades, das estruturas político-administrativas regionais da Educação (DRECs), redução do poder de compra dos salários, desestruturação da Carreira do Magistério, imposição de empecilhos para a Aposentadoria etc.), vivenciam no atual governo – que se iniciou sem alegria de foguetório, sobranceiro – a expressão mais dura e intransigente do interesse do Agronegócio. Marcados por tantas conquistas e revezes, lidam agora com a quadra mais contraditória, complexa e disruptiva da história da educação estadual: a efetivação da política educacional-negocial do Agronegócio.

Se é verdade que, outrora, educadores e educadoras produzíamos nossas atividades com mimeógrafo à álcool, quando a escola contava com, no máximo, uma ou duas máquinas de datilografia manual e os pais dos alunos é quem tinha que comprar todos os materiais escolares, inclusive o uniforme – não é menos verdade, que a infraestrutura não produz, per si, a qualidade educacional-escolar. Repito, no espaço escolar havia ânimo, vontade e autonomia docente para discutir, estudar, fazer e reinventar os processos de ensino e as aprendizagens; agora, ao tempo em que o governo disponibilizou a maior e mais farta infraestrutura material, inclusive para os alunos, o Pedagógico, o processo de ensino e aprendizagem, está manietado por decisões e procedimentos administrativos centralizados, que tudo inibe, empobrece e mata. Consequente e contraditoriamente, desenvolve-se a mais medíocre qualidade educacional da história mato-grossense, com repercussões nefastas até para o sindicato da categoria.

De fato, nossas crianças nunca estiveram tão desinteressadas, nunca aprenderam tão pouco, do que é fundamental aprender. Mas, os índices de escolaridade (que, obviamente, não estão vinculados automaticamente à existência de aprendizagem ou proficiência) indicam um sucesso jamais visto, isto é, nunca se promoveu tanto aluno de um ano para o outro, como agora. A pergunta que emerge dos burburinhos das salas de professores é: esses índices aguentam um dia de análise rigorosa, feita por qualquer pesquisador, pelo próprio governo, pelo Tribunal de Contas ou pelo Ministério Público?

É triste. Mas, de tudo o que já vi nessa vida, “minimo”, creia: vai passar – e eles sabem disso!

(*) ELISMAR BEZERRA é professor da rede pública, fundador do Sintep/MT e foi secretário de Estado de Cultura.

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