Em maio de 2021, o zagueiro e então capitão do Vitória Wallace chamou a atenção ao descrever o “apequenamento” do clube nos últimos anos. Àquela altura, o time acumulava fracassos desportivos, que tiveram seu ponto máximo um ano depois, com a equipe na zona de rebaixamento da Série C. Dois anos após o alerta de Wallace, o torcedor rubro-negro pode respirar aliviado por nada daquilo ter se concretizado e celebrar, afinal de contas foi o maior responsável por tirar o clube do fundo do poço.

Desde que frequentou a elite do futebol brasileiro pela última vez, em 2018, o Vitória fracassou em quase tudo que tentou. O clube acumulou rebaixamentos, passou vergonha ao cair em primeiras fases de campeonatos estaduais, na Copa do Brasil e chegou a ficar fora da Copa do Nordeste, competição em que é um dos maiores vencedores. Tudo isso com a crise política e os graves problemas financeiros como planos de fundo.

Não por acaso, o Vitória viveu instabilidade que provocou uma série de mudanças. Nos últimos cinco anos, o clube teve três presidentes diferentes, 144 jogadores contratados e 17 treinadores à beira do campo.

E, por mais que seja doloroso para o torcedor rubro-negro reviver esses momentos, a lembrança da época turbulenta valoriza trabalho de resgate feito para que o time voltasse a viver alegrias dentro e fora de campo.

Marco zero: rebaixamento em 2018

Vitória empata com o Grêmio pelo Brasileirão 2018 e tem rebaixamento para Série B decretado — Foto: Mauricia da Matta/EC Vitória

Vitória empata com o Grêmio pelo Brasileirão 2018 e tem rebaixamento para Série B decretado — Foto: Mauricia da Matta/EC Vitória

O rebaixamento do Vitória para a Série B, em 2018, foi marcante para o clube, mas não “começou” naquele ano. Após conquistar o acesso para a Série A, em 2015, o clube sofreu para se manter na Primeira Divisão e passou por seguidas mudanças no seu posto mais importante. Ivã de Almeida, primeiro presidente eleito de forma direta, não resistiu ao fracasso desportivo e à pressão política e renunciou menos de um ano após assumir o cargo.

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Após um breve período com Agenor Gordilho, então vice-presidente de Ivã de Almeida, no comando do Vitória, Ricardo David foi eleito presidente no final de 2017. O Vitória, porém, seguiu com problemas dentro e fora de campo, agravados pela sempre presente pressão política nos bastidores. E o rebaixamento do clube, em 2018, só piorou a situação de David, que antecipou o fim do seu mandato em abril de 2019.

Em 2018, o Rubro-Negro fez sua segunda pior campanha da história dos pontos corridos, com apenas 37 pontos somados em 38 rodadas.

O fundo do poço

 

Vitória perde para o Vila Nova e é rebaixado para a Série C em 2021 — Foto: Jhony Pinho/AGIF

Vitória perde para o Vila Nova e é rebaixado para a Série C em 2021 — Foto: Jhony Pinho/AGIF

A eleição de Paulo Carneiro, em abril de 2019, prometia devolver ao Vitória o protagonismo de outros tempos. Contudo, o dirigente, que chegou ao poder apoiado por grandes personagens da política rubro-negra, viu o time sobreviver a duras batalhas na Série B de 2018 e 2019. A pressão interna aumentou, assim como as denúncias sobre a gestão, que culminaram na destituição de Paulo Carneiro.

Fábio Mota, à época presidente do Conselho Deliberativo do Vitória, assumiu o clube de forma interina no final de 2021, a sete rodadas para o fim da Série B, e não conseguiu evitar o rebaixamento do clube para a Série C do Campeonato Brasileiro, repetindo o destino ingrato de 2006 para o clube. Em setembro de 2021, Mota foi eleito para o triênio até 2025.

A reconstrução

João Burse em comemoração pelo acesso do Vitória — Foto: Victor Ferreira / EC Vitória / Divulgação

João Burse em comemoração pelo acesso do Vitória — Foto: Victor Ferreira / EC Vitória / Divulgação

A volta por cima do Vitória não foi da noite para o dia ou algo que bem planejado. Tanto que o clube largou mal em todas as temporadas, mesmo nas que conseguiu o acesso. Para se ter uma ideia, o Rubro-Negro caiu na primeira fase do Campeonato Baiano nos cinco últimos anos: 2019, 2020, 2021, 2022 e 2023.

Em 2022, não eram grandes as expectativas para o desempenho do Vitória na Série C. E o começo logo mostrou isso, com equipe distante das primeiras posições e até figurando na zona de rebaixamento para Série D. Mas tudo mudou com a chegada de João Burse, em junho de 2022.

Burse encontrou um time com apenas 2,6% de chance de classificação para a segunda fase da Série C e 51% de risco de rebaixamento para a Quarta Divisão. Contudo, o Rubro-Negro se ajustou dentro de campo e foi abraçado pela torcida, que fez festa até em embarque do time. O novo momento culminou em uma arrancada para a conquista de um acesso improvável meses antes.

Nem tudo são flores

Léo Condé é apresentado aos jogadores do Vitória — Foto: Divulgação / EC Vitória

Léo Condé é apresentado aos jogadores do Vitória — Foto: Divulgação / EC Vitória

O acesso do Vitória para a Série B, em 2022, não significou que o time tinha encontrado uma fórmula para brilhar em 2023. Muito pelo contrário. O Rubro-Negro seguiu com problemas internos e foi eliminado na primeira fase de todas as competições que disputou nesta temporada.

Como consequência, João Burse foi demitido. Pouco tempo depois, o Vitória foi além e promoveu mudanças no Departamento de Futebol, com a saída de Edgar Montemor e chegada de Ítalo Rodrigues.

A pressão no Vitória chegou a um ponto que o presidente Fábio Mota cogitou renunciar ao cargo, diante das ameaças sofridas pelos familiares.

Um novo momento

 

Jogadores do Vitória celebram com torcida — Foto: Victor Ferreira / EC Vitória / Divulgação

Jogadores do Vitória celebram com torcida — Foto: Victor Ferreira / EC Vitória / Divulgação

Na verdade, a fórmula que deu certo para o Vitória foi a correção de rumo ao longo da temporada. Assim como aconteceu com João Burse, o clube se reencontrou com a chegada de Léo Condé. Apesar de um início ruim, com três derrotas e quatro empates nos sete primeiros jogos, Condé mostrou mérito ao aproveitar uma “intertemporada” forçada para ajustar a equipe.

E, desde o começo da Série-B, o Vitória se colocou como um dos candidatos ao acesso. A equipe abriu a competição de forma avassaladora, com cinco triunfos consecutivos e sem sofrer gols. E, muito mais que isso, mostrou consistência ao ser a mais presente na liderança e no G-4 ao longo de toda competição.

E o sucesso do time passa pela escolha da diretoria na contratação de Condé, no trabalho do treinador, além da evolução dos jogadores e chegada de peças cruciais, a exemplo do zagueiro Wagner Leonardo. Mas nenhum teve mais peso que torcida rubro-negra.

Os rubro-negros, tão maltratados pelo time nos últimos anos, não precisaram de muito para abraçar a equipe mais uma vez. Não demorou para o Barradão sair de um quase vazio no início do campeonato para uma média perto de 22 mil pessoas, a maior da Segundona. O que fez toda diferença, afinal de contas, uma das maiores qualidades do Vitória na Série B foi o desempenho em casa, o melhor entre todos os clubes.

Maiores públicos pagantes do Vitória na Série C:

  • Vitória 0 x 0 ABC (2ª fase) – 24.662;
  • Vitória 1 x 0 Paysandu (1ª fase) – 25.870;
  • Vitória 2 x 2 ABC (1ª fase) – 26.432;
  • Vitória 1 x 2 Volta Redonda (1ª fase) – 27.671;
  • Vitória 3 x 1 Brasil de Pelotas (1ª fase) – 28.006.

Teria sido mais justo que o capítulo final dessa história de superação tivesse acontecido dentro do Barradão, diante dos que sofreram tanto, mas nunca desistiram. Mas, nesse momento, isso é o que menos importa. Afinal de contas, a prova de amor da torcida ao Vitória vai muito além das paredes de um estádio ou da divisão onde o clube esteja. E enquanto isso existir, ele jamais irá se apequenar.

E vale lembrar que o Barradão pode ser palco de uma conquista ainda maior que o acesso. Neste sábado o Vitória enfrenta o Sport pela penúltima rodada da Série B e pode comemorar o primeiro título nacional do clube ao lado do torcedor. A partida está marcada para as 18h (de Brasília), no Barradão. (GE)