Por uma questão de espaço apenas cito uma premissa irrefutável antes de ir diretamente à suposta polêmica: “O discurso, portanto, aparece de duas maneiras nas práticas: as práticas são parcialmente discursivas (falar, escrever etc. é uma forma de agir), mas também são representadas discursivamente. Na medida em que tais representações ajudam a sustentar relações de dominação no interior dessas práticas, elas são ideológicas. (CHOULIARAKI & FAIRCLOUGH, 1999, p. 37)”. Dito isso, passemos à análise das questões:
“A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) aguarda posicionamento urgente(grifo nosso) do governo federal brasileiro sobre questões de cunho ideológico e sem critério científico ou acadêmico dispostas no Exame Nacional do Ensino Médio, prova de admissão à educação superior, aplicada pelo Ministério da Educação no último domingo (5).”Dizem os entendidos em neurociência que os povos originários não conseguiram enxergar, no horizonte, as caravelas que traziam seus opressores. Isso é explicável facilmente: “As crianças de domingo enxergam jardins mágicos onde não há nada para as outras pessoas; elas encontram tesouros onde outros passam sem prestar atenção… A única explicação possível para esses fenômenos é que as crianças de domingo teriam uma percepção diferente, mais feliz que as pessoas comuns, sem que uma das duas fosse equivocada, nem verdadeira. A percepção não é atingida por essa alternativa. (Benjamin 1991: 66-67).” Da mesma forma que o “manifesto” da Frente Parlamentar da Agropecuária(FPA) é compreensível, mesmo desprovido de razoabilidade. Para se compreender isso, analisemos alguns dados sobre a Amazônia Legal: Ela possui 41,6% do território composto por Áreas Protegidas. Essas áreas distribuem-se em Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável (11%), UCs de Proteção Integral (8%) e Terras Indígenas (TIs) (23%). Além disso, 0,19% da região está destinada como Terras Quilombolas (TQs), 21% do território é ocupado por imóveis privados, 8% somam assentamentos rurais e 0,5% referem-se a áreas militares. Por fim, os 20,3% restantes representam outras áreas sobretudo terras devolutas.
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Não é novidade para ninguém que a pecuária extensiva necessita de mais e mais áreas de pastagens devido à sua baixa produtividade; também não é novidade que a extração ilegal de madeira na Amazônia beira os 40% da extração legalizada, segundo o Simex (Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira ); por fim, a grilagem de terras grasna solta no Brasil a séculos, o Conselho Nacional do Ministério Público, em novembro passado, realizou um debate sobre essa questão e chegou-se ao óbvio: 50% dessa prática ilegal acontece em terras públicas.
Portanto, tentar desqualificar essa questão do Enem parece-me mais “cegueira” neural ou puro proselitismo político de parlamentares conservadores e incautos. Ou as duas coisas simultaneamente.
Para compreendermos essa questão do Enem é necessário um olhar diacrônico sobre a ocupação geoespacial do Cerrado: a partir de 1970, o Cerrado mato-grossense e (hoje) sul-mato-grossense passou a ser interessante economicamente para empresas transnacionais, bancos, imigrantes do Sul e empresas estatais (Embrapa); já nas primeiras décadas deste século, essa ocupação geoespacial expande-se para o MATOPIBA – Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, trazendo à tona os conflitos e problemas relacionados à expansão da monocultura, do latifúndio e da manipulação genética. Repito aqui parte da nota “não ideológica” da FPA – “A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) aguarda posicionamento urgente(grifo nosso) do governo federal brasileiro sobre questões de cunho ideológico e sem critério científico ou acadêmico(grifo nosso) dispostas no Exame Nacional do Ensino Médio, prova de admissão à educação superior, aplicada pelo Ministério da Educação no último domingo (5).” e, ainda acrescento um trecho da nota da Acrimat (Associação dos Criadores de Mato Grosso) – “Um desejo de incutir na cabeça dos jovens teorias esquerdistas totalmente desvinculadas da realidade, com textos desatualizados, comprovadamente falsos, já desmistificados por órgãos oficiais de pesquisa como Embrapa e NASA,(Grifo nosso) provando que não há nenhuma alternativa correta para as questões colocadas, a não ser aquelas que os organizadores escolheram como a mais ofensiva , até porque não há nenhuma alternativa que não seja agressiva ao setor que alimenta o Brasil e grande parte do mundo, gerando empregos e desenvolvimento”.Acrescento também dois gráficos do IBGE:
Esses gráficos deixam óbvias: 1. O vertiginoso declínio na produção de arroz; 2. A “estabilização” na produção de feijão; 3. O crescimento vertiginoso na produção de soja. Ao cruzarmos esses dados com o crescimento da população brasileira e relacioná-los à cultura alimentar dos brasileiros, conclui-se que as commodities (soja e milho) suprem o mercado internacional (basicamente para a produção de ração) e que o Brasil importa arroz e feijão para suprir a demanda interna. Ora, cai a máscara do latifúndio monocultor quando este afirma que “além de trazer a segurança alimentar ao Brasil e ao mundo,…”. Na lógica perversa de ocupação do território e da produção em larga escala há outras implicações seriíssimas apontadas por Calaça: “A intensificação das atividades do agronegócio e o dinamismo econômico reconfiguram as relações socioespaciais, que são oriundas das contradições do modelo concentrador e excludente. Desse modo, o avanço dos monocultivos destinados à produção em larga escala traz diversas implicações, como a destruição da biodiversidade do Cerrado, aprofundamento dos conflitos por terra e, assim, reforça o processo de desarticulação do campesinato.”
Essa questão talvez seja a mais descontextualizada nas leituras das FPA e da Acrimat, mesmo por que explora o ainda imponderável amanhã; porém, ao “linkar” passado (Sé. XV) e “futuro” (Séc. XXI) provoca reflexões: no texto 1, fica claro que o tour espacial trará benefícios até mesmo àqueles que não puderem desfrutar desse passeio galático; já o texto 2 dialoga com o período das Grandes Navegações e com o genocídio ocorrido nas Américas com as invasões europeias. Recentemente, na Ditadura Militar, (1967) o antigo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) foi alvo de um relatório do Ministério do Interior que ficou conhecido por “Relatório Figueiredo” que denunciava a violência sistêmica contra os povos originários, como se pode observar no trecho abaixo:
Resumindo: dos 3,5 milhões de indígenas, restam 900 mil em números absolutos.
Concluindo: O texto I causa “expectativa” pois indica a possibilidade de vantagens indiretas coletivas; o texto II, pela fala do indígena, infere “desconfiança” porque, implicitamente, remete-nos à época dos “descobrimentos”. A mim, parece-me que os resquícios dos últimos quatro anos estão, infelizmente, enraizados em parcela da população e externalizam o pensamento reacionário, retrógado e panfletário que marca as narrativas externalizadas nas notas da FPL e Acrimat.
*SÉRGIO EDUARDO CINTRA é professor de Linguagens e de Redação em Cuiabá, há 44 anos e está servidor do TCE-MT. Foi vereador, Diretor Executivo da Funec e secretário de Cultura de Cuiabá.
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