Uma operação da Polícia Federal, em Mato Grosso, descobriu uma quadrilha suspeita de fraude na Previdência Social. O esquema milionário usava documentos falsos em nomes de indígenas para criar aposentados, que sacavam o dinheiro e até pediam empréstimos consignados.
Nomes dos mais diversos, que afrontam a investigação. O material foi recolhido em cartórios, escritórios da Funai e até em empresas de empréstimo consignado durante uma operação da Polícia Federal do Barra da Garça, em Mato Grosso.
Indícios de uma fraude na Previdência que, de acordo com as investigações, trouxe prejuízo de R$ 64 milhões aos cofres públicos. Dinheiro usado para o pagamento de aposentadorias de 2015 até agora.
Segundo a Polícia Federal, o esquema começava na Funai de Primavera do Leste, cidade do Mato Grosso, com a emissão do registro administrativo de nascimento de indígenas.
Com esse registro, os indígenas podem emitir documentos como certidão de nascimento, CPF e carteira de identidade, além de garantir benefícios sociais, como a aposentadoria.
Quem estava no esquema, já saía de lá com a idade bem mais avançada no papel.
É possível apontar a ocorrência dessa fraude em 48 aldeias até o momento, com 552 indígenas fictícios criados com datas de nascimento fraudadas. Em média, eles tinham cerca de 17 anos de idade a mais que a realidade, mas com casos que chegam a mais de 30 anos de ganho.
Com todos os documentos na mão, incluindo uma certidão de exercício de atividade rural, os indígenas seguiam para o INSS e requisitavam a aposentadoria.
O INSS trabalha a partir da apresentação de documentos. E os documentos apresentados eram documentos materialmente verdadeiros, entretanto ideologicamente falsos, o que foge a atribuição do servidor do INSS de verificar essa autenticidade.
“É muito difícil para o servidor do INSS consiga constatar essa fraude na emissão ou autorização, ou aprovação e deferimento dessas aposentadorias”, acrescenta Oliveira.
Pra comprovar o esquema fraudulento montado pra conseguir o benefício da aposentadoria, um departamento da Polícia Federal de Mato Grosso foi fundamental. Nele foi feita a comparação das impressões digitais dos indígenas com as fotos e as informações contidas nos documentos de identificação. Com a ajuda da tecnologia, a suspeita se confirmou.
“Foi possível estabelecer de forma inequívoca uma relação identidade constando que uma pessoa tinha mais de um documento”, conta Francisco Junior, perito papiloscopista da Polícia Federal.
Foram encontrados registros duplicados, com nomes e idades diferentes, a partir da mesma impressão digital. O trabalho permitiu que 552 benefícios concedidos com dados alterados fossem suspensos.
“Não existem duas pessoas com a mesma impressão digital”, explica Daniela Flávia Turati, perita papiloscopista.
O indígena Marcos Tserenhimiru, que atuava interinamente como Coordenador Técnico Local da Funai em Primavera do Leste, foi preso e está afastado do cargo. A assinatura dele está nos registros falsificados, que atestam a data de nascimento fraudada de indígenas e comprovam o trabalho na agricultura – requisitos para a concessão da aposentadoria.
Eguinalda Guimarães Rodrigues, tabeliã do cartório em Poxoréu, Mato Grosso, foi suspensa do trabalho por 90 dias, por suspeita de fazer parte da quadrilha e ter emitido certidões de nascimento com dados falsos.
A defesa dos dois servidores públicos não quis se manifestar.
A Funai disse que está colaborando com as investigações e que os funcionários envolvidos estão afastados.
O Ministério da Previdência Social informou que participou da operação e que servidores da coordenação de inteligência previdenciária atuaram juntamente com a Polícia Federal com o intercâmbio de informações.
Um homem chamado Zé Mané
O caso que mais chamou a atenção da polícia é o do registro de um falso indígena, de nome “Zé Mané”. Ele não existe, mas tem carteira de identidade e até título de eleitor.
Segundo a investigação, usando esses documentos, além de ter a aposentadoria concedida, Zé Mané ainda conseguiu cerca de 40 mil reais em empréstimos consignados.
A Polícia Federal ainda vai apurar se os indígenas faziam parte da quadrilha ou se foram usados como laranjas no esquema. A punição deles depende da interpretação do juiz que vai avaliar o nível de integração com a sociedade.
“É necessário investigar. A Federação não teve acesso ao inquérito. E não tivemos acesso aos indígenas. Então nós não sabemos o nível de conhecimento e de ciência desse crime”, afirma Eliane Xunakalo, da Federação dos Povos Indígenas de Mato Grosso.
Todos os investigados podem responder pelos crimes de falsificação de documentos, estelionato previdenciário, associação criminosa e inserção de dados falsos em sistema de informação do Governo Federal. A pena pode chegar a 15 anos de prisão.
Em nota, a tabeliã Eguinalda Guimarães Rodrigues negou participação na fraude de registros de nascimento de indígenas. Eguinalda disse ainda que todos os atos praticados por ela foram feitos dentro da legalidade. A defesa do indígena Marcos, chefe interino da Funai de Primavera do Leste, também negou ter cometido os crimes mostrados na reportagem.