A arquiteta Luísa Rosa, de 33 anos, única mulher na diretoria da CBF, apresentou uma denúncia de assédio moral à Comissão de Ética do Futebol Brasileiro (CEFB) contra Arnoldo Nazareth, gerente geral operacional, cargo que responde diretamente à presidência da entidade.
O documento de oito páginas ao qual o ge teve acesso foi protocolado no dia 24 de maio. A Comissão de Ética resolveu “receber e processar a denúncia”, segundo termo assinado pelo presidente da comissão, Carlos Renato de Azevedo Ferreira.
Na denúncia, a diretora de patrimônio da CBF relata que sofreu “crises de ansiedade e estresse”, “choros incontroláveis” ao entrar no prédio da confederação e que chegou a se afastar do trabalho durante oito dias por recomendação de um psiquiatra.
– Me sinto, como Diretora da CBF e mulher, frustrada com atitudes machistas que vejo – escreveu Luísa Rosa ao final de seu relato.
Patrícia de Cássia Pereira Moreira Nogueira, integrante da CEFB, foi designada relatora do caso. A acusação contra o gerente passa a ser investigada por meio de um “processo administrativo ético”, que não tem prazo para ser concluído.
Procurado pela reportagem, Arnoldo não respondeu às mensagens e aos telefonemas. A CBF afirmou que não vai se pronunciar sobre o caso específico, porque a Comissão de Ética atua de maneira independente. Luísa Rosa não quis dar entrevista. Caso se manifestem, o texto será atualizado.
A denúncia
Num documento com o título “Consulta sobre procedimentos e denúncia de Assédio Moral”, Luísa Rosa acusa formalmente Arnoldo Nazareth de tentar retirar sua autonomia, contestar suas decisões e dar ordem aos seus funcionários sem que ela fosse informada.
Na gestão de Ednaldo Rodrigues, a diretoria de patrimônio teve sua abrangência reduzida. As demandas internas de manutenção da sede da CBF, na Barra da Tijuca (Zona Oeste do Rio de Janeiro) passaram para a gestão de Arnoldo Nazareth, nomeado gerente geral operacional, ligado à presidência.
Luísa Rosa continuaria responsável pelos projetos de construção dos Centros de Treinamento do Programa de Legado da Copa do do Mundo – 15 CTs espalhados pelo Brasil a serem construídos com recursos da Fifa.
Essa mudança foi formalizada em abril de 2023, conforme comunicado interno do RH para os funcionários, anexado ao processo. Os casos narrados por ela na denúncia ocorreram antes e depois dessa data.
Comunicado da CBF sobre Diretoria de Patrimônio — Foto: Reprodução
Numa dessas situações, ocorrida em 30 de setembro de 2022, dois funcionários da diretoria de patrimônio foram fazer serviços na casa dele, Arnoldo, na Zona Sul do Rio de Janeiro. Luísa diz que informou o caso ao presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, e então determinou a volta dos funcionários para o prédio da CBF. O gerente alegou, conforme relato de Luísa, que se tratava de horário de almoço.
– Por repetidas vezes o sr. Arnoldo Nazareth direcionou demandas de manutenção diretamente à minha equipe, me desautorizando recorrentemente, inclusive desqualificando minha gestão sobre os edifícios do patrimônio da CBF.
Luísa também afirma que dois funcionários de sua área foram demitidos sem que ela soubesse o motivo ou fosse consultada sobre essa decisão.
– Recorrentemente o Sr. Arnoldo vinha dizer que minha equipe de manutenção era muito preguiçosa, não dava conta do serviço e fazia pouco.
Primeira mulher na diretoria
Luísa Rosa foi anunciada como diretora de patrimônio da CBF no dia 26 de abril de 2022. Até então a confederação nunca havia tido uma mulher em sua diretoria.
A segunda mulher nomeada pelo presidente Ednaldo Rodrigues foi a advogada Samantha Longo, que assumiu a diretoria jurídica em 4 de maio de 2022. Ela pediu demissão em janeiro deste ano. Hoje, Luísa é a única mulher na diretoria, que tem oito integrantes.
Ter mulheres na diretoria da CBF foi uma promessa de Ednaldo Rodrigues, conforme ele próprio declarou em entrevista publicada pelo ge em 22 de março, véspera do início de seu mandato. Os oito vice-presidentes de sua chapa são homens.
Cartilha do TST
A denúncia apresentada por Luísa Rosa descreve uma série de situações que ela considera estarem “em desacordo com o Código de Ética da CBF”, e com a “Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral” publicada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST).
Embora Luisa seja diretora da CBF e Arnoldo seja gerente, ele se reporta diretamente ao presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues. Não há, portanto, uma clara posição de superioridade hierárquica neste caso.
A cartilha do TST citada pela diretora da CBF em sua denúncia cita que pode haver assédio moral descendente (de cima para baixo, de chefes sobre subordinados), ascendente (de subordinados sobre chefes), horizontal (entre pares) e misto (acúmulo de mais de um tipo).
Licença Médica
Ainda de acordo com a denúncia, Luísa Rosa afirmou que, em março deste ano, um funcionário (que não teve seu nome citado e nem sua área identificada) mostrou a ela uma mensagem de whatsapp segundo a qual “estavam buscando inconformidades e incongruências” no trabalho dela.
Luísa Rosa cita um diálogo em que outro funcionário da confederação – de novo, sem nome e área identificadas – teria feito contra ela uma falsa acusação de racismo. E que isso a motivou a pedir afastamento temporário do trabalho por motivos médicos.
– Não sei quem foi o colaborador, mas imagino […] Este fato me derrubou, porque racismo é um crime […] A partir desta data minha crise de ansiedade e estresse se agravou, tendo crises de choros incontroláveis ao entrar na CBF. Assim, decidi por recomendação da minha psicoterapeuta com um psiquiatra, que na ocasião me afastou por 8 dias do trabalho, no dia 17 de março.
Outro relato
No documento, a diretora informa que no dia anterior à decisão de relatar os fatos à Comissão de Ética, uma funcionária do setor dela a procurou:
– Na data de ontem, veio chorando à minha sala dizer que não queria mais trabalhar com o referido Sr. Arnoldo. Que ela tinha medo dele e estava tendo ansiedade e medo de ter crise de pânico.
No e-mail enviado à Comissão de Ética, ao qual anexou a denúncia, a diretora da CBF afirma:
– Acredito na integridade de todos e honestidade sempre, por mais que tenha medo de estar enviando o Ofício Anexo para conhecimento e [que pode] ter consequências que desconheço. A minha carreira, transparência e consciência são infinitamente mais valiosos do que qualquer emprego, e prezo pela minha reputação profissional e pessoal. (GE)