Após diversas denúncias de manipulação que contemplavam as divisões inferiores do Brasileirão, o problema parece ter chegado de vez à Série A. O Ministério Público de Goiás (MP-GO) denunciou o que considera uma suspeita de fraude em pelo menos oito jogos do Campeonato Brasileiro do ano passado. Os promotores também analisam jogos de Campeonatos Estaduais já de 2023.
A Veja revelou nesta segunda-feira conversas entre Eduardo Bauermann, zagueiro do Santos, e um apostador envolvido com a quadrilha investigada por manipular jogos do futebol brasileiro.
O defensor, segundo o Ministério Público, teria recebido R$ 50 mil para levar cartão amarelo no empate entre Santos e Avaí, pelo Brasileirão do ano passado, mas não foi advertido. Ele teve uma conversa antes da partida e foi cobrado por ter terminado o jogo sem a punição.
Veja a transcrição da conversa:
Eduardo Bauermann: “Mano, só me avisa antes se realmente vai dar pra fazer, senão nem tomo cartão a toa, entende”.
Apostador: “Fica em paz, irmão. Vai dar certo. Nois (sic) sempre dá um jeito. Mano se você falou pra alguém (da) aposta manda não apostar mais, demoro (sic). Tmj vamos pra cima”.
Eduardo Bauermann: “Não, não, nem falei nada mano… quem comentou que faria uma aposta também foi o Luiz Taveira (empresário do zagueiro), mas ele falou brincando.. acho que não iria fazer. Mas se alguém me chamar aqui pra fazer vou cortar já”.
(Horas depois)
Apostador: “Truta, o que você fez da sua vida, mano? Qual a fita? Truta, você foi pago para fazer o que, mano???? Você vai pagar todo meu prejuízo, mano. E aí, truta?????”.
Eduardo Bauermann em treino do Santos — Foto: Raul Baretta/ Santos FC
Como já tinha recebido o dinheiro e não cumpriu o esperado pelo apostador, o zagueiro do Santos aceitou outra aposta: seria expulso no jogo seguinte, contra o Botafogo. Ele de fato recebeu o cartão vermelho, mas após o término da partida, o que irritou novamente o apostador.
Apostador: “Olha a porra da merda que você fez. Mano, pq você não fez a porra que eu te falei. Mano, pq não tomou essa porra no primeiro tempo. Pq não deu uma porra de uma cutuvelada (cotovelada). Mano, pq você não me escuta, mano. Você me fudeu de novo mano. Mais (sic) dessa vez você vai resolver. Mano, você vai me pagar, tudo. Eu te pedi, eu confiei em você mano. E você me desonrou. De novo mano. Não tô acreditando nisso. Não deu certo porque você não escuta os outros. Era uma porra de uma curuvelada (sic), um tapa na cara do jogador. Só isso, você não fez mano, pq você não quis”.
Eduardo Bauermann: “Mano, de coração, não foi porque eu não quis, eu te juro! Senão não tinha tomado nem no final e teria inventado uma desculpa para você…”.
Apostador: “Pq você não deu uma cotovelada no cara???? O barato vai ficar louco para você”.
Eduardo Bauermann: “Mas estou correndo atrás pra conseguir te pagar esses 800 mil que você falou”.
Apostador: “Cadê os 50 (mil) que eu já te mandei mano?”.
Eduardo Bauermann: “Tá aqui, nem mexi nesse dinheiro”.
Apostador: “Já vê aí pra já mandar esse dinheiro mano”.
O Santos afirmou que não vai se pronunciar sobre o caso de Eduardo Bauermann até conversar com o jogador, o que está previsto para ocorrer nesta terça-feira.
Em contato com o ge, o empresário Luiz Taveira, citado por Bauermann em uma das mensagens, disse que nunca realizou apostas, reforçou a confiança no jogador e garantiu que não sabia que o atleta havia sido procurado por apostadores.
Entenda o caso
O Ministério Público de Goiás fez uma nova denúncia sobre manipulação de jogos no futebol brasileiro. Estão sob investigação partidas das Séries A e B do Campeonato Brasileiro de 2022, além de confrontos dos estaduais que aconteceram neste ano.
As informações foram publicadas pela Veja. São pelo menos 20 partidas sendo analisadas pelo MP. A nova denúncia ainda não teve resposta da Justiça, mas foi feita a partir da busca e apreensão de equipamentos em fases anteriores da Operação Penalidade Máxima.
Os clubes e casas de apostas são tratados como vítimas.
Os casos investigados envolvem apostas para lances como punições com cartões amarelo ou vermelho e cometer pênaltis. Bruno Lopes de Moura, apostador que havia sido detido na primeira fase da operação, é visto pelo MP como líder da quadrilha no esquema de manipulação de resultados. Outras 16 pessoas podem virar réus no caso.
Na fase anterior da operação, alguns jogadores foram alvos de uma operação de busca e apreensão: os zagueiros Victor Ramos, da Chapecoense, Kevin Lomónaco, do Bragantino, Paulo Miranda, ex-Juventude, e Eduardo Bauermann, do Santos, os laterais-esquerdos Igor Cariús, do Sport, e Moraes, ex-Juventude e hoje no Atlético-GO, e o meia Gabriel Tota, ex-Juventude e atualmente no Ypiranga-RS.
Na fase atual, foram adicionados os nomes dos volantes Fernando Neto, ex-Operário-PR e hoje no São Bernardo, e Nikolas, do Novo Hamburgo-RS, e do atacante Jarro Pedroso, do Inter-SM.
O MP-GO pede a condenação do grupo envolvido na manipulação, além do ressarcimento de R$ 2 milhões aos cofres públicos por danos morais coletivos, ainda segundo a Veja.
Entre os detalhes obtidos nesta investigação do MP-GO estão os valores oferecidos para que os jogadores fizessem os atos previstos nas apostas. Veja abaixo quais são:
Palmeiras 2 x 1 Juventude
- Foram oferecidos R$ 30 mil para que Moraes, lateral-esquerdo do Juventude, recebesse cartão amarelo. R$ 5 mil foram pagos antes do jogo. O atleta terminou de fato advertido.
Goiás 1 x 0 Juventude
- Promessa de pagamento de R$ 50 mil, sendo R$ 20 mil antes do jogo, para que o lateral-esquerdo Moraes levasse amarelo.
- No mesmo jogo, também havia o combinado de se pagar R$ 50 mil, sendo R$ 10 mil antes do jogo, para que Paulo Miranda levasse amarelo. Romário Hugo dos Santos fez este pagamento à conta de Gabriel Tota, responsável pelo repasse ao zagueiro.
Ceará 1 x 1 Cuiabá
- Promessa de pagamento de valor total incerto, mas R$ 5 mil foram entregues a Igor Cariús, do Cuiabá, antes do jogo, para que ele levasse o cartão amarelo. Ele levou a advertência e ainda teve um segundo cartão, que ocasionou sua expulsão.
Red Bull Bragantino 1 x 4 América – MG
- Pagamento de R$ 70 mil, sendo R$ 30 mil antes do jogo para que o zagueiro do Bragantino Lomónaco levasse o cartão amarelo, como de fato aconteceu.
Santos 1 x 1 Avaí
- Pagamento de pelo menos R$ 50 mil antes do jogo para que Eduardo Bauermann fosse punido com o cartão amarelo. Isto não aconteceu.
Botafogo 3 x 0 Santos
- Como Bauermann já tinha recebido os R$ 50 mil na rodada anterior e não levou o cartão amarelo, aceitou a proposta para ser expulso na rodada seguinte. Ele recebeu o cartão vermelho depois da partida, por reclamação.
Cuiabá 1 x 1 Palmeiras
- Pagamento de R$ 60 mil para que Igor Cariús levasse o cartão amarelo.
Sport 5 x 1 Operário
- No jogo da Série B do Brasileirão passado, a promessa era de pagamento de R$ 500 mil, sendo R$ 40 mil pagos antes da partida para Fernando Neto, jogador do Operário, levar o cartão vermelho. Ele não foi expulso do jogo.
Guarani 2 x 1 Portuguesa
- Promessa de pagamento de R$ 100 mil, para que Victor Ramos, da Portuguesa, cometesse um pênalti. Como Bruno, Ícaro e Zildo, três dos denunciados pelo MP, aparentemente não encontraram jogadores para manipular resultados na mesma rodada do Paulistão deste ano, não houve depósito antecipado, nem aposta no jogo.
Portuguesa 3 x 0 Bragantino
- Promessa de pagamento de R$ 200 mil para que Lomónaco, zagueiro do Bragantino, cometesse um pênalti no primeiro tempo. Ele não aceitou.
Esportivo 0 x 0 Novo Hamburgo
- Promessa de pagamento de R$ 80 mil, sendo R$ 5 mil depositados antes do jogo para que Nikolas, do Novo Hamburgo, fizesse um pênalti no jogo do Campeonato Gaúcho deste ano. Ele cometeu a penalidade.
R$ 100 mil para corromper atletas
Segundo o MP, o grupo criminoso cooptava jogadores com ofertas que variavam entre R$ 50 mil e R$ 100 mil para que cometessem lances específicos nos jogos, como um número determinado de faltas, levar cartão amarelo, garantir um número específico de escanteios para um dos lados e até atuar para a derrota do próprio time.
Diante dos resultados previamente combinados, os apostadores obtinham lucros altos em diversos sites de apostas – ou diretamente, ou por meio de laranjas.
O que é a operação Penalidade Máxima?
As investigações começaram no final do ano passado, depois que o volante Romário, do Vila Nova-GO, aceitou uma oferta de R$ 150 mil para cometer um pênalti no jogo contra o Sport pelo Campeonato Brasileiro da Série B. Ele recebeu um sinal de R$ 10 mil, e só teria os demais R$ 140 mil após a partida. Como não foi relacionado, tentou cooptar colegas de time – sem sucesso.
A história então vazou e o presidente do Vila Nova, Hugo Jorge Bravo, ele próprio um policial militar, investigou o caso e entregou as provas para o Ministério Público de Goiás. A primeira denúncia, feita há dois meses, indicava que havia três jogos suspeitos na Série B do ano passado. Mas, como o ge publicou, havia a suspeita de muito mais jogos, em várias competições, o que faria a operação se tornar nacional. Foi o que aconteceu. As suspeitas agora chegaram à Série A.
Oito jogadores de diferentes clubes foram denunciados pelo Ministério Público e viraram réus por participarem do suposto esquema.
São eles: Romário (ex-Vila Nova), Joseph (Tombense), Mateusinho (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Cuiabá), Gabriel Domingos (Vila Nova), Allan Godói (Sampaio Corrêa), André Queixo (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Ituano), Ygor Catatau (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Sepahan, do Irã) e Paulo Sérgio (ex-Sampaio Corrêa, hoje no Operário-PR).
Eles estariam envolvidos no esquema de cometer pênaltis no primeiro tempo dos jogos Vila Nova x Sport, Criciúma x Tombense e Sampaio Corrêa x Londrina. Isso só não aconteceu na partida entre goianos e pernambucanos, já que Romário e Gabriel Domingos não jogaram.
Joseph cometeu o pênalti em Criciúma x Tombense, e Mateusinho o fez em Sampaio Corrêa x Londrina. Os demais atletas do Sampaio citados, segundo o MP-GO, estavam cientes e participaram de alguma forma. (GE/Jogada 10)