O Ministério Público do Distrito Federal (MP-DTF) pediu nesta quarta-feira a condenação do ex-piloto da F1 Nelson Piquet em processo movido em julho de 2022 por entidades sociais, devido a falas racistas e homofóbicas proferidas pelo brasiliense contra o heptacampeão Lewis Hamilton durante entrevistas de 2021. Piquet, que utilizou o termo racista “neguinho” para se referir ao piloto da Mercedes, é passível de responsabilidade civil por ato ilícito e pode pagar R$ 10 milhões em indenização.
O ge.globo teve acesso ao parecer do caso, avaliado pela Promotora de Justiça Polyanna Silvares de Moraes Dias. O documento, que corre na Terceira Vigésima Vara Cível de Brasília, aponta que a defesa do ex-piloto tentou justificar que suas falas não configuraram racismo e que o mesmo já havia feito de forma espontânea um pedido de desculpas público, embora tenha voltado atrás dias depois.
A entrevista em que Piquet cita Hamilton tomou notoriedade em junho do ano passado, com a divulgação de trechos na internet. Em entrevista realizada com um canal de vídeo no fim de 2021, o ex-piloto se refere a Hamilton por duas vezes como “neguinho” ao opinar sobre a batida do heptacampeão com Max Verstappen, atual bicampeão e seu genro, no GP da Inglaterra de 2021.
“O “neguinho” meteu o carro e deixou. O Senna não fez isso. O Senna não fez isso. Ele foi, assim, “aqui eu arranco ele de qualquer maneira”. O “neguinho” deixou o carro. É porque você não conhece a curva; é uma curva muito de alta, não tem jeito de passar dois carros e não tem jeito de passar do lado. Ele fez de sacanagem”, disse Piquet na época.
Em outro fragmento de vídeo, o brasileiro volta a citar Hamilton com a mesma expressão, ofende o antigo rival Keke Rosberg (campeão da F1 em 1982 e pai de Nico Rosberg, colega e adversário de Hamilton de 2013 a 2016). Neste, Piquet ainda tem uma fala homofóbica, sugerindo que Hamilton foi derrotado por Nico na temporada 2016 por “estar dando mais c…”.
– Restam claramente configuradas violações aos direitos da vítima e da população negra e LGBTQIA+, considerando tanto o plano das normativas internacionais quanto nacionais, abrangendo o âmbito constitucional e infraconstitucional – diz o parecer do Ministério Público.
Nelson Piquet, ex-piloto brasileiro de F1, proferiu falas racistas e homofóbicas contra Lewis Hamilton — Foto: Janos Marjai/MTI via AP
Em julho passado, o juiz Felipe Costa da Fonseca Gomes, representante do Tribunal de Justiça do DF, acatou a ação civil pública movida por quatro associações de defesa aos direitos da população negra e LGBTQIA+ (Aliança Nacional LGBTI, o Centro Santos Dias de Direitos Humanos, Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas e EducAfro).
O processo pede R$ 10 milhões de indenização ao tricampeão, valor que seria utilizado para abrir editais a orgãos que defendem pautas ligadas aos movimentos sociais em questão. A ação tramitou pelo Núcleo de Direitos Humanos do Ministério Público e passou, nesta semana, pelas alegações finais que antecedem a proferição da sentença.
Processo contra Nelson Piquet por racismo a Lewis Hamilton corre na justiça — Foto: Portal da Transparência/MPDFT
A promotora responsável pelo caso justificou, ainda, que a figura de pessoa pública do tricampeão brasileiro e a veiculação de suas falas em meio de grande difusão (internet) agravam ainda mais o caso:
– O racismo, quando levado a efeito por uma figura pública conhecida em todo território nacional, como é o caso do réu, que tem total clareza acerca do alcance de suas falas e do dever indeclinável de cumprimento do ordenamento jurídico iniciando-se pela Constituição Federal, é definitivamente ainda mais nocivo à coletividade de pessoas negras. De todo exposto, inegável a ofensa a direitos transindividuais praticada pelo réu, merecendo o acolhimento do pleito das autoras.
Lewis Hamilton no lançamento do W14, carro da Mercedes da F1 2023 — Foto: Divulgação/Mercedes AMG F1
Defesa de ex-piloto alegou não-configuração de racismo
O parecer do Ministério Público, analisado pelo ge, revela que a defesa de Piquet alegou que as falas do ex-piloto não configuraram racismo mas sim injúria racial – o que a promotora do caso contestou por afetar, de igual modo, pessoas negras; e a injúria racial ser fruto do racismo. Vale destacar que o Governo Federal sancionou, em janeiro deste ano, lei que tipifica a injúria racial como crime de racismo.
A defesa de Piquet justificou ainda que sua conduta “não teve dolo”, e que ele não poderia se retratar conforme solicitado pelas entidades autoras do processo por não possuir redes sociais, além de já ter se desculpado espontaneamente. No entanto, dias após emitir uma nota por meio da imprensa, o tricampeão disse não ver nada errado em suas falas.
Reações ao caso
A Mercedes, equipe de Hamilton, foi a primeira a se manifestar contra as falas de Piquet, seguida das rivais Ferrari, McLaren, Alpine e Aston Martin. George Russell, colega de equipe do heptacampeão, também se pronunciou. Posteriormente, F1 e a Federação Internacional do Automobilismo (FIA).
Hamilton se pronunciou em seguida. Primeiro, ironizou o ex-piloto ao citar o comentário de um fã, que lhe sugeriu que postasse “quem diabos é Nelson Piquet?”. Depois, escreveu em português em suas redes pedindo mudança de mentalidade, e um pronunciamento maior no qual cobra o enfrentamento do racismo.
Lewis Hamilton e Max Verstappen bateram na segunda volta do GP da Inglaterra de 2021; Piquet teve falas racistas ao comentar colisão — Foto: AP Photo/Jon Super
Agora aposentado, Sebastian Vettel foi outro rival de Hamilton que condenou as falas de Piquet. Genro do brasileiro, o atual bicampeão Max Verstappen discordou dos termos usados pelo sogro, entretanto, defendeu-o e disse que o ex-piloto “definitivamente não é racista”, apesar dos rótulos do público.
Chefe do heptacampeão na Mercedes, Toto Wolff menosprezou a validade das declarações devido à idade do brasileiro, de 70 anos, indo de encontro às próprias ações da equipe contra o racismo. (GE)