O período de férias é um bom momento para viajar em família e descansar, mas para pais com crianças dentro do espectro autista isso pode ser uma situação extremamente desafiadora, já que muda a rotina da criança e, sem previsibilidade e controle do ambiente, poderá entrar em crise.
A especialista em autismo, a psicóloga Jaqueline França, explica que uma das principais dificuldades de uma pessoa com autismo é a inflexibilidade cognitiva, que se apresenta por meio de comportamentos rígidos e inflexíveis de não aceitar mudanças para manter a rotina da mesma forma. “Isso só reflete um pensamento mais rígido e cartesiano de que as coisas precisam ser sempre da mesma forma e que existe uma única forma de fazer as coisas. E se eu quero conseguir um resultado, a sequência de ações que não podem mudar. Isso já é desafiador”, afirma Jaqueline.
Segundo a profissional, no período de férias, além das famílias se programarem para ir a outro lugar e a criança deixa de fazer muitas coisas da qual já está habitual, como deixar de ir à escola, as terapias param, entre outros. “Essa criança não só deixa de ter a estimulação das habilidades de flexibilidade, como ela também perde controle e previsibilidade da vida dela, do ambiente, lembrando que, muitas vezes ela já não tem controle do próprio corpo por conta das questões sensoriais”.
A psicóloga diz que é preciso fazer um trabalho bem antes das férias chegar para que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) continue tendo qualidade de vida e bem-estar durante as férias e período de viagens. Entre eles, se já tem o local onde visitarão ou vão ficar durante a viagem, mostrar imagem para a criança, criar contato e histórias sociais do que fará naquele lugar, ainda que essa pessoa com autismo não seja verbal.
“Essa pessoa precisa saber que ela vai deixar de fazer o que está acostumada, mas que ela vai se ocupar de outras coisas e isso precisa ser concreto. Mostrar as fotos dos parques e dos zoológicos que vão visitar, se vai de avião, ônibus ou carro. Você pode ter um calendário onde mostra até que dia terá aula e vai preenchendo o calendário, ajudando a essa pessoa a ter um mapa visual do que ela vai fazer nesses dias. Nós, adultos, conseguimos visualizar alternativas do que a gente pode fazer. Já a pessoa dentro do espectro vai ter dificuldade no planejamento. Então, investir em estratégias de previsibilidade e controle é importante”.
Outra dica é ter objetos de transição, elementos que já são familiares para aquela pessoa, a fim de que ela tenha uma referência naquele ambiente novo e que ela saiba que tem coisas ali que ela pode ter controle, apesar de não ter controle de muitas situações a volta dela.
EM CASOS DE CRISES
A psicóloga destaca que é comum diante de todas as mudanças em que a criança/adolescente/adulto já está em ambiente que ela não tem controle nenhum, esse cérebro será muito mais bombardeado, sobrecarregado e ele não sabe lidar com aquela nova situação. Isso pode levar a crises e, nesses casos, a orientação é identificar o que ajuda aquela criança a se autorregular. “Tem crianças que já tem os rituais dela, o cérebro já pede para o corpo fazer que são os flaps, pular. Outras tem que ter os livrinhos ou comportamentos repetitivos e de isolamento que ajudam ela a se autorregular. Os pais precisam ter clareza de quais são eles e não esperar essa criança se desregular para ofertar esse livrinho ou brinquedo ou até permitir que essa criança faça a autorregulação, desde que não se machuque ou machuque os outros”.
Jaqueline afirma ainda que, em momento de crise, os pais precisam ser modelos de calma e tranquilidade, já que uma pessoa nervosa, irritada, frustrada não vai conseguir acalmar uma outra pessoa em crise. “Compreender o seu processamento, quando o próprio adulto está desregulado, vai te dar tranquilidade para lidar com as situações e saber tambem quais seus limites. Como a própria aeromoça diz, em caso de despressurizacao máscaras caíram sobre as suas cabeças e o adulto deve colocar primeiro em si para depois poder ajudar a criança
Por fim, a profissional afirma que sempre encoraja os pais a viajarem com seus filhos atípicos. Para ela uma quando uma mente experencia coisas novas, não volta a ser mais o que era antes. E muitas crianças retornam até mais exigentes porque elas veem coisas novas, elas querem novidades. “Geralmente, apesar das dificuldades da criança de perder controle e previsibilidade, eu vejo de forma muito positiva, amplia o hiperfoco e muitas vezes a criança cria novos interesses. Primeiro porque precisamos descansar. Imagina essa criança que vive bombardeada de pessoas ensinando ela o tempo todo. Então, essa criança também precisa descansar, essa criança precisa estar por mais tempo não sendo ensinada, é o ócio criativo”.
Apesar de desafiador para as famílias, essa criança ou pessoa com autismo vai conhecer outras coisas e o objetivo da terapia é que ela seja incluída socialmente. Para isso, é preciso, progressivamente, colocando essa criança em situações e, se surgir crise ou comportamento indesejáveis ou desafiadores, ver como oportunidade. Pois, fica até mais claro o que foi ensinado e o que a criança adquiriu e vermos o que ela realmente está dando conta de fazer ou não, até para estabelecer novas metas.
“Gosto de orientar os pais a ter clareza quando viajam: estamos fazendo essa viagem para que? É para eu descansar enquanto pai ou para a minha criança descansar? Porque vai ser totalmente diferente. Se for uma viajem com uma criança, ter em mente que desafios podem acontecer e que não será uma viagem para descanso dos pais. Se for uma viagem para os pais descansar (e eles precisam!), muito provavelmente essa criança não estará presente justamente para que eles também possam descansar”, finaliza Jaqueline.
(Assessoria Nosso Espaço MT)