O Código Eleitoral brasileiro impede que pessoas sejam presas cinco dias antes e dois dias após eleições, salvo em flagrante ou casos específicos. A regra já está valendo desde a terça-feira (25), por causa do segundo turno, que ocorre no domingo (30).
A norma, prevista na lei 4.737 de 1965, é usada para impedir eventuais prisões feitas com o intuito de interferir em resultados nas urnas.
O advogado Matheus Falivene, doutor em direito penal pela USP, explica que a regra impede que o Judiciário seja usado para fins eleitorais, tanto contra eleitores, garantindo que eles consigam ir votar, como contra candidatos –para os quais o prazo que isenta prisões é de 15 dias antes da eleição e de 48 horas depois.
Prisões, de acordo com a lei, só ocorrem em flagrante, ou ainda em cumprimento a mandados de prisão por decisão condenatória por crime inafiançável, como racismo, terrorismo e hediondos.
Crimes eleitorais, como boca de urna e compra de votos também podem resultar em prisões caso haja flagrante.
Outra ocasião em que as prisões podem ocorrer, segundo o Código Eleitoral, é quando algum eleitor protegido por salvo-conduto é alvo de constrangimento ou ameaça.
Pessoas podem emitir esses documentos com um juiz eleitoral ou presidente da mesa receptora de votos, caso sofram algum tipo de violência, moral ou física, para comparecer aos locais de votação.
Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, no primeiro turno das eleições deste ano, 352 pessoas foram presas no Brasil. Na ocasião, foram registrados 1.378 crimes eleitorais, sendo 456 casos de boca de urna, 95 por compra de votos e 80 por violar ou tentar violar sigilo de voto.
Em São Paulo, onde também ocorre segundo turno para a escolha do governador, foram presas cinco pessoas no primeiro turno e registrados 50 crimes eleitorais.
A lei eleitoral prevê que suspeitos de crimes violentos, como assassinatos, por exemplo, não podem ser presos, mesmo com mandados de prisões cautelares expedidos pela Justiça.
O principal suspeito pelo feminicídio de Thalia Karoline Andrade do Nascimento, 25, morta a facadas no último sábado (22) em sua casa no município de Taboão da Serra, na Grande São Paulo, se apresentou à polícia, acompanhado de advogado, nesta quinta-feira (27), mas não pôde ser detido, em cumprimento à lei eleitoral.
Companheiro da vítima, Luiz Fernando da Silva, 25, fugiu do local do crime, como mostram câmeras de monitoramento, que também registraram uma agressão antes de ela ser ferida com facadas no rosto e peito. Ela morreu no hospital. Uma prima dela, que estava hospedada na residência, também foi esfaqueada e passa bem.
O defensor de Silva, Lucas Amaral de Oliveira, afirmou à Folha nesta sexta (28) que seu cliente admite a autoria do crime. “Ele ficou escondido, com muito medo de a família dela fazer retaliação, justiça com as próprias mãos. Por isso, ele decidiu se entregar”, declarou.
O advogado acrescentou que o delegado do caso precisou levar em consideração a lei eleitoral. Silva “provavelmente” vai se apresentar à polícia novamente na quarta (2), quando não haverá mais o impedimento, diz o defensor.
“Dentro da legalidade foi feito tudo ao alcance para conseguir o cumprimento da medida, mas não foi possível. O procurado foi indiciado pelo feminicídio e pelo homicídio tentado qualificado. Após isso, foi liberado”, afirmou o delegado Fábio Siqueira, titular do 2º DP de Taboão da Serra.
Para Yuri Carneiro Coelho, especialista em direito penal, a norma que proíbe prisões durante as eleições “precisa ser revista”.
Doutor pela Universidade Federal da Bahia, ele disse que crimes contra a vida poderiam “se tornar exceção”, com a prisão dos suspeitos, principalmente quando contra eles há mandados de prisão expedidos pela Justiça.
“Presos temporários podem votar. Ou seja, se um suspeito de crime violento for preso, em cumprimento a mandado de prisão, isso não deveria interferir no pleito”, opina.
Já para Falivene, “ainda que seja criticável”, a regra tem razão da existir. “É uma garantia àqueles que tiveram contra si uma prisão cautelar decretada que, sendo inocentes perante nossa Constituição, devem poder exercer o direito ao voto sem o temor de serem presos enquanto exercem esse direito.”
Legislação
Eleitores não podem ser presos…
– Cinco dias antes
– Dois dias depois
Candidatos não podem ser presos…
– 15 dias antes
– Dois dias depois
Exceções
– Prisões em flagrante, incluindo crimes eleitorais
– Descumprimento de salvo-conduto
– Cumprimento a mandado de prisão condenatória
Fonte: Código Eleitoral